TST - INFORMATIVOS 2021 236 - de 20 a 30 de abril

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



Ação rescisória. Art. 966, incisos III e V, do CPC/15. Legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. Laudo pericial produzido por profissional investigado pelo Ministério Público Federal na “Operação Hipócritas”. Lesão de origem comum a diversos trabalhadores. Interesse transindividual. Incidência da Súmula nº 407 do TST. Exceção nas hipóteses de processo extinto por acordo.



Ação rescisória. Art. 966, incisos III e V, do CPC/15. Legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. Laudo pericial produzido por profissional investigado pelo Ministério Público Federal na “Operação Hipócritas”. Lesão de origem comum a diversos trabalhadores. Interesse transindividual. Incidência da Súmula nº 407 do TST. Exceção nas hipóteses de processo extinto por acordo.

O Ministério Público do Trabalho possui legitimidade ativa para propor ação rescisória, com fundamento no art. 966, III e V, do CPC/2015, ainda que não tenha sido parte no processo originário, em face de decisão que julgou improcedente reclamação trabalhista com fundamento em laudo oficial fraudulento produzido por perito judicial investigado pelo Ministério Público Federal na “Operação Hipócritas”, exceto nas hipóteses em que a reclamação trabalhista for extinta por acordo. Com esse entendimento, a SDI-2, na mesma sessão, por maioria, concluiu o julgamento dos recursos ordinários em ação rescisória RO-6784-24.2018.5.15.0000 e RO-6789-46.2018.5.15.0000. No tocante ao primeiro processo, em que se reconheceu a legitimidade ativa do MPT, consignou-se que, nos termos da Súmula nº 407 do TST, a legitimidade ad causam do Ministério Público para propor ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda, não está limitada às alíneas “a” e “b” do inciso III do art. 967 do CPC de 2015 e que, na hipótese em que inúmeros trabalhadores foram criminosamente prejudicados com a produção e utilização de laudos periciais viciados, não se pode falar em lesão a direitos puramente individuais e disponíveis, mas, sim, de interesses transindividuais, visto que ligados por circunstância comum que os privou de uma sentença proferida com base no devido processo legal, cuja proteção é conferida expressamente ao MPT, a teor dos artigos 127 da Constituição Federal e 5º, inciso I, 6º, incisos XII e XIV, alínea “a”, e 83, inciso III, da Lei Complementar nº 75/1993. Além disso, destacou-se que a legitimidade do MPT decorre também do fato de a fraude perpetrada na produção de laudos periciais oficiais ter atingido a dignidade da Justiça do Trabalho. Assim, a SDI-2 deu provimento ao RO-6784-24.2018.5.15.0000, para, afastando o óbice da ilegitimidade ativa do MPT imposto na origem, determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional, a fim de que prossiga na análise da ação rescisória, como entender de direito, vencidos os Ministros Renato de Lacerda Paiva, Douglas Alencar Rodrigues, Alexandre de Souza Agra Belmonte e Luiz José Dezena da Silva. Diferentemente, ao apreciar o RO-6789-46.2018.5.15.0000, a SDI-2 manteve a decisão de origem em que se declarou a ilegitimidade ativa do MPT para propor ação rescisória em processo no qual também foi produzido laudo viciado por perito judicial investigado pelo Ministério Público Federal na “Operação Hipócritas”, mas cuja extinção decorreu de acordo. Para a maioria dos ministros, prevaleceu o entendimento de que, nas hipóteses em que a pretensão desconstitutiva dirige-se contra sentença homologatória de acordo, a decisão fundamenta-se apenas na autonomia da vontade, razão pela qual a conclusão do laudo médico pericial, ainda que viciado, não seria capaz de influenciar a vontade do reclamante, não se configurando, portanto, o ataque à dignidade da Justiça do Trabalho capaz de amparar a legitimidade do MPT. Assim, a SDI-2, também por maioria, negou provimento ao RO-6789-46.2018.5.15.0000, vencidos os Ministros Luiz Philippe Vieira de Mello Filho e Evandro Pereira Valadão Lopes e as Ministras Delaíde Miranda Arantes e Maria Helena Mallmann. TST-RO-6784-24.2018.5.15.0000, rel. Min. Maria Helena Mallmann, e TST-RO-6789- 46.2018.5.15.0000, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, SBDI-II, 20/4/2021.

 A C Ó R D Ã O

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA O PLEITO RESCISÓRIO. "OPERAÇÃO HIPÓCRITAS". ESQUEMA DE CORRUPÇÃO DE PERITOS JUDICIAIS. LESÃO A INÚMEROS RECLAMANTES. DEFESA DA ORDEM JURÍDICA. TUTELA DA REPUTAÇÃO E CONFIABILIDADE DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERESSES DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO "PARQUET" PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 407 DO TST. De acordo com a teoria da asserção, o exame das condições da ação, dentre elas a legitimidade ativa ad causam, se faz exclusivamente com base nas afirmativas feitas pelo autor na petição inicial. Na inicial da presente ação rescisória, que vem calcada no art. 966, III e V, do CPC/2015, o Ministério Público do Trabalho argumenta que, após investigação conduzida pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal, foi deflagrada a chamada "Operação Hipócritas", por meio da qual se constatou a prática articulada de uma série de crimes em inúmeras reclamações trabalhistas, indicando a nulidade plena das provas técnicas produzidas nessas ações. O "Parquet" denuncia, pois, que inúmeros trabalhadores foram criminosamente prejudicados pela organização criminosa que, sistematicamente, usava de um mesmo ardil – a corrupção de peritos – com objetivo de desviar o Poder Judiciário de decisões justas. Como se sabe, nos termos da jurisprudência desta Corte, consolidada na Súmula nº 407, a legitimidade "ad causam" do Ministério Público para propor ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda, não está limitada às alíneas 'a' e 'b' do inciso III do art. 967 do CPC de 2015 (com referência no art. 487, III, "a" e "b", do CPC de 1973), pois se referem a situações meramente exemplificativas. Na esteira da compreensão da Súmula nº 407 do TST, é necessário compatibilizar o art. 967, III, "c", do CPC de 2015 de forma sistemática, complementar e coordenada com as regras que cuidam das funções institucionais do Ministério Público, de modo a delimitar o verdadeiro alcance de sua legitimidade para o ajuizamento da ação rescisória. Conforme as bem lançadas razões do eminente Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, no caso em tela, "verificam-se a existência do interesse público primário e a necessidade de resguardar a ordem jurídica com a rescisão de decisões e acordos lastreados em prova pericial médica falsa ou em desrespeito à isonomia processual, situações de extrema gravidade que ultrapassam a esfera individual e atingem toda a coletividade e a segurança do ordenamento jurídico". Dessume-se que, na espécie, o Ministério Público do Trabalho atua na defesa da própria ordem jurídica que restou severamente comprometida pela produção de decisões judiciais viciadas, que acabaram por alcançar a preclusão máxima. Ao lado do inequívoco direito difuso ligado à preservação, reputação e confiabilidade da Justiça do Trabalho, o Parquet também possui legitimidade para atuar na defesa de direitos individuais homogêneos, "assim entendidos os decorrentes de origem comum" (arts. 81, III, e 82, I, do CDC; 5º, I, 6º, XII e XIV, "a", e 83, III, da Lei Complementar nº 75/93), sendo exatamente essas as hipóteses narradas na peça incoativa. Não se evidencia, portanto, a tutela de direitos puramente individuais e disponíveis a atrair o reconhecimento da ilegitimidade do "Parquet", mas, sim, a tutela de interesses coletivos e transindividuais cuja proteção é conferida expressamente ao Ministério Público. Nesse contexto, notadamente porque a sentença de mérito, na espécie, decorreu do exame da prova viciada, sobressai a sua legitimidade ativa ad causam para a presente ação rescisória. Recurso ordinário conhecido e provido. (TST-RO-6784-24.2018.5.15.0000, rel. Min. Maria Helena Mallmann, DEJT 13/08/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-6784-24.2018.5.15.0000, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO e são Recorridos TOPACK DO BRASIL LTDA e JOSÉ VICENTE FILHO.

O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação rescisória, com fulcro nos incisos III e V do artigo 966 do Código de Processo Civil/15, em face da r. sentença do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Americana, nos autos da reclamação trabalhista n° 000867-63.2012.5.15.0099, sob a alegação de que houve dolo e fraude na lide.

O Regional da 15ª Região julgou extinto o processo sem resolução do mérito por considerar que o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade ativa ad causam para o pedido rescisório.

Em face dessa decisão, o Parquet interpõe recurso ordinário, o qual foi admitido pela Corte Regional.

Foram apresentadas contrarrazões.

Os autos não foram encaminhados novamente ao d. Ministério Público do Trabalho, uma vez que é parte integrante da lide.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Tempestivo o apelo, regular a representação, merece ser conhecido o recurso ordinário.

2 - MÉRITO

LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA O PLEITO RESCISÓRIO. "OPERAÇÃO HIPÓCRITAS". ESQUEMA DE CORRUPÇÃO DE PERITOS JUDICIAIS. LESÃO A INÚMEROS RECLAMANTES. DEFESA DA ORDEM JURÍDICA. TUTELA DA REPUTAÇÃO E CONFIABILIDADE DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERESSES DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO "PARQUET" PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 407 DO TST.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região registrou que:

O inciso III do art. 487 do Código de Processo Civil de 1973 previa a legitimidade ativa do Ministério Público, para a propositura da ação rescisória, apenas em duas hipóteses: a) se não fosse ouvido no processo no qual sua intervenção era obrigatória e b) quando a sentença fosse efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei.

É claro que, além dessas hipóteses e por força do inciso I do mesmo artigo 487, ele também tinha legitimidade para promover esse tipo de ação, quando tivesse sido parte no processo base.

Ou seja, a contrário senso, o Ministério Público não tinha, legalmente, legitimidade ativa para a ação rescisória de decisões decorrentes de processos nos quais lhe tivesse sido dada a oportunidade de participar na qualidade de custos legis.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, contudo, amenizou essa restrição, passando a entender que as hipóteses de legitimação ativa, previstas na norma referida, não eram exaustivas e que o Ministério Público estaria legitimado, também, para pedir a rescisão de sentenças ou acórdãos, em caso do comprometimento de interesses públicos indisponíveis (RSTJ 98/23 e STJ- RF 342/323).

O Código de Processo Civil de 2015, visando se adaptar à jurisprudência então dominante e a suprir uma omissão do legislador de 1973, acrescentou ao seu art. 967 mais uma hipótese, além das já previstas no diploma processual revogado, de legitimação do Ministério Público, para a propositura da ação rescisória, qual seja: em outros casos em que se imponha sua atuação (Inciso III, "c").

Entretanto, essa nova legitimação conferida por lei não é ampla e irrestrita, devendo ser exercida dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 177 do mesmo Código, segundo o qual, o "Ministério Público exercerá o direito de ação de conformidade com suas atribuições constitucionais".

Portanto, o Ministério Público somente tem legitimidade para a propositura de ação rescisória, além das hipóteses previstas nos incisos I e III, "a" e "b", do art. 967 do CPC, quando atuar na "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127 da CF, grifei).

A interpretação da nova norma (da alínea "c" do inciso III do art. 967) deve ser, pois, restritiva, como bem ensinam Tereza Arruda Alvim Wanbier e outros autores, na obra "Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo", in verbis:4.1. Este dispositivo tem redação que mais se afeiçoa a liguagem doutrinária do que àquela comumente usada pelo legislador. Remete explicitamente à ideia de sistema - e o que é um sistema? - e à indagação a respeito de o direito ser (ou não) um sistema. 4.2. Desajeitadamente, terá muito provavelmente o legislador querido dizer que este dispositivo não é taxativo, pura e simplesmente. Assim, doutrina e jurisprudência poderão, segundo esta regra, criar hipóteses de legitimidade do Ministério Público. Se assim há de ser, esta regra deve ser interpretada de modo restritivo, pois cria uma exceção: atribuição de legitimidade ad processum pelo sistema. Exemplo de casos absolutamente excepcionais seriam aqueles em que há 'comprometimento de interesses públicos indisponíveis. (Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1540-1541 - os destaques constam do original).

No caso dos autos, o Ministério Público não está a atuar na qualidade de parte do processo original, nem está a defender interesses sociais ou individuais indisponíveis. Está, isso sim, tentando defender direito individual totalmente disponível, que é, no final das contas, o de uma indenização por doença ocupacional.

O fato de ter ocorrido um suposto crime, na obtenção do laudo, não transforma o direito individual disponível, do autor daquela ação, em indisponível, nem caracteriza desordem jurídica capaz de justificar a legitimação do parquet, a não ser no âmbito criminal, no qual ele já vem atuando.

Ele não tem, por conseguinte, legitimidade para promover a presente ação, como já muito bem decidiu esta Seção Especializada, por larga maioria de votos, ao julgar as ações rescisórias objeto dos processos 0006632-73.2018.5.15.0000, 0006693-31.2018.5.15.0000, 0006783-39.2018.5.15.0000 e 0006790-31.2018.5.15.0000, em v. acórdãos da lavra do ilustre Desembargador José Pitas, assim ementados:

AÇÃO RESCISÓRIA - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - FRAUDE NA ELABORAÇÃO DE LAUDOS PERICIAIS - OPERAÇÃO HIPÓCRITAS - INTERESSE INDIVIDUAL DISPONÍVEL - ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Para que se vislumbre o interesse social que justifica a atuação do Ministério Público, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal, é imprescindível que o objeto da ação proposta se destine à tutela do direito de uma coletividade, o que não se vislumbra quando a ação rescindenda limitou-se a apreciação de direito individual disponível de parte maior e capaz. Assim, o MPT é parte ilegítima para a propositura de ação rescisória pretendendo rescindir ação individual, invocando a Operação Hipócritas deflagrada pela Polícia Federal, sob o fundamento de fraude na confecção do laudo pericial, eis que ausente, neste particular, o núcleo de homogeneidade que justifica a atuação do Parquet. Nesse sentido, o julgamento proferido pelo plenário do STF aos 07/08/2014, no RE 631.111 - Goiás, de Relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki, com REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA reconhecida (Dje de 02/05/2012, sob o Tema 471: legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de interesses de beneficiários do DPVAT)

Ante a manifesta ilegitimidade ativa do parquet, impõe-se, conseguintemente, a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil.

Nas razões de recurso ordinário, o Ministério Público do Trabalho pugna pela reforma do acórdão recorrido quanto ao acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa. Afirma ser parte legítima para atuar como fiscal da lei e da ordem pública. Diz que "ajuizou a presente Ação Rescisória objetivando a rescisão da sentença proferida no processo n.º 1867-63.2012.5.15.0099, que tramitou perante a 2ª Vara do Trabalho de Americana/SP, em razão de dolo e de violação manifesta de norma jurídica, nos termos do Art. 966, incisos III e IV do CPC", o que justifica o interesse jurídico para sua atuação.

Ao exame.

De acordo com a teoria da asserção, o exame das condições da ação, dentre elas a legitimidade ativa ad causam, se faz exclusivamente com base nas afirmativas feitas pelo autor na petição inicial. Se estiverem presentes, tomando-se, em tese, como verdadeiras as alegações do autor, a ação estará em condições de prosseguir e receber o julgamento do mérito.

Partindo dessa premissa, mesmo sob a égide da revogada ordem processual, já havia se consolidado nesta Corte Superior, de forma pioneira, que as hipóteses de legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação rescisória são exemplificativas. Nessa senda, a edição da Súmula nº 407 do TST:

AÇÃO RESCISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE "AD CAUSAM" PREVISTA NO ART. 967, III, "A", "B" E "C" DO CPC DE 2015. ART. 487, III, "A" E "B", DO CPC DE 1973. HIPÓTESES MERAMENTE EXEMPLIFICATIVASA legitimidade "ad causam" do Ministério Público para propor ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda, não está limitada às alíneas "a", "b" e "c" do inciso III do art. 967 do CPC de 2015 (art. 487, III, "a" e "b", do CPC de 1973), uma vez que traduzem hipóteses meramente exemplificativas.

A compreensão restou ainda mais reforçada no CPC de 2015 e inspirou a letra "c" do inciso III do art. 967 do referido diploma legal. Nessa direção, peço vênia para trazer à colação o magistério do Fredie Didier Jr.:

A letra "c" do inciso III do art. 967 é uma novidade do CPC-2015 – o CPC 1973 previa apenas as hipóteses "a" e "b" (art. 487, III, CPC-1973). Esse acréscimo foi claramente inspirado no n. 407 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, que já havia consolidado o entendimento de que a lista do art. 487, III, CPC-1973 era meramente exemplificativo. (in Curso de Direito Processual Civil - Vol. 3. 14ª edição. Editora JusPodivm. Salvador. 2017, p. 514)

Portanto, na redação do art. 967 do CPC de 2015, que foi incorporada a jurisprudência sedimentada nessa Corte Superior acerca da legitimidade ampla do Ministério Público sempre que "se imponha sua atuação". Eis a redação da norma ora invocada:

Art. 967. Têm legitimidade para propor a ação rescisória:

I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;

II - o terceiro juridicamente interessado;

III - o Ministério Público:

a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção;

b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei;

c) em outros casos em que se imponha sua atuação;

IV - aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.

Parágrafo único. Nas hipóteses do art. 178, o Ministério Público será intimado para intervir como fiscal da ordem jurídica quando não for parte.

Emerge claro que a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para propor ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda, não está limitada às alíneas "a" e "b" do inciso III do art. 967 do CPC de 2015 (com referência no art. 487, III, "a" e "b", do CPC de 1973), pois referem-se a situações exemplificativas.

É necessário compatibilizar o art. 967, III, "c", do CPC de 2015 de forma sistemática, complementar e coordenada com as regras que cuidam das funções institucionais do Ministério Público, de modo a delimitar o verdadeiro alcance de sua legitimidade para o ajuizamento da ação rescisória.

A situação sub judice indica que, de fato, está ultrapassada pela "teoria do diálogo das fontes", de origem alemã, a ideia de que determinada prescrição normativa deve ser interpretada de forma estanque, separada dos demais diplomas legais aplicáveis à espécie. No Brasil, quem melhor descreveu a teoria do diálogo das fontes foi a Professora Cláudia Lima Marques que, ao afirmar a necessidade de compatibilização do Código de Defesa do Consumidor com o Código Civil de 2002 destacou o seguinte (in Superação das Antinomias pelo Diálogo das Fontes: O Modelo Brasileiro de Coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002, Revista da ESMESE, Nº 07, 2004):

"A segunda reflexão, que gostaria de aqui trazer, é um consequente aprofundamento da teoria de meu mestre alemão Erik Jayme sobre o atual ‘diálogo das fontes’ (Parte II). Na pluralidade de leis ou fontes, existentes ou coexistentes no mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo tempo, que possuem campos de aplicação ora coincidentes ora não coincidentes, os critérios tradicionais da solução dos conflitos de leis no tempo (Direito Intertemporal) encontram seus limites. Isto ocorre porque pressupõe a retirada de uma das leis (a anterior, a geral e a de hierarquia inferior) do sistema, daí propor Erik Jayme o caminho do ‘diálogo das fontes’, para a superação das eventuais antinomias aparentes existentes entre o CDC e o CC/2002".

Desse modo, a moderna doutrina propõe que se privilegie a harmonia do ordenamento jurídico por meio da coordenação dos diversos diplomas que o compõem, em contraponto a simples exclusão de normas. Por isso, data venia, nada impede a incidência de dispositivos ligados ao microssistema processual de tutela coletiva e aqueles outros que cuidam das próprias funções institucionais do Ministério Público de modo a alcançar a medida da legitimidade do Parquet para o ajuizamento de ações rescisórias.

A Constituição Federal, especificamente no seu art. 127, dispõe que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos direitos individuais indisponíveis ou individuais homogêneos.

Já o Código de Defesa do Consumidor – CDC - também disciplina a temática:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

[...]

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)

I - o Ministério Público,

Conforme as bem lançadas razões do eminente Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, no caso em tela, "verificam-se a existência do interesse público primário e a necessidade de resguardar a ordem jurídica com a rescisão de decisões e acordos lastreados em prova pericial médica falsa ou em desrespeito à isonomia processual, situações de extrema gravidade que ultrapassam a esfera individual e atingem toda a coletividade e a segurança do ordenamento jurídico".

Dessume-se que, na espécie, o Ministério Público do Trabalho atua na defesa da própria ordem jurídica que restou severamente comprometida pela produção de decisões judiciais viciadas, que acabaram por alcançar a preclusão máxima.

Ao lado do inequívoco direito difuso ligado à preservação, reputação e confiabilidade da Justiça do Trabalho, o Parquet também possui legitimidade para atuar na defesa de direitos individuais homogêneos, "assim entendidos os decorrentes de origem comum".

Registrem-se, ainda, os comandos inscritos na Lei Complementar nº 75/1993, que dispõem sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:

I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:

[.]

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

[.]

XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos;

[.]

XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto:

a) ao Estado de Direito e às instituições democráticas;

[.]

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

[.]

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;

No caso dos autos, postula o Ministério Público do Trabalho a rescisão da decisão transitada em julgado, respaldado no art. 966, III e V, do CPC/2015, com fundamento na existência de dolo/fraude (parcialidade dos laudos periciais) e, consequentemente, violação da lei.

Argumenta o autor que, de acordo com procedimento investigatório criminal e obtenção de provas mediante a quebra de sigilo telemático, constatou-se a prática de vários ilícitos em inúmeras ações judiciais, indicando a nulidade plena da prova técnica e, portanto, das decisões judiciais exaradas nos processos com base nessa prova viciada.

Assegura que, em razão de um mesmo esquema criminoso de corrupção de peritos judiciais, dezenas de laudos periciais foram produzidos com troca de informações antes de suas juntadas aos autos, muitas vezes com a combinação de resultados entre peritos e assistentes técnicos e/ou mediante a paga de vantagem indevida, em dinheiro vivo ou através de depósitos bancários.

Ou seja, ao contrário da conclusão do acórdão recorrido, não se evidencia a tutela de direitos puramente individuais e disponíveis a atrair o reconhecimento da ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho, mas, sim, a tutela de interesses transindividuais cuja proteção é conferida expressamente ao Parquet. O que se denuncia na peça incoativa é que a Justiça do Trabalho teve a sua reputação severamente abalada mediante a corrupção do devido processo legal e que inúmeros trabalhadores foram criminosamente prejudicados pelo sistemático uso de um mesmo ardil, que, ao cabo, desviou o Poder Judiciário de decisões justas.

Portanto, relativamente ao juízo rescindente, além de ser evidente interesse difuso em jogo, ligado à confiabilidade do Poder Judiciário, da tutela do devido processo legal e da ordem jurídica, todos os reclamantes lesados pela ação criminosa estão ligadas por circunstância comum que os privou de uma sentença justa.

Está configurado, pois, o caráter difuso do interesse em discussão e a origem comum do direito à rescisão de todos os reclamantes lesados, conquanto digam respeito às pessoas isoladamente.

Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. ILEGITIMIDADE ATIVA. DECISÃO RESCINDENDA EM QUE NÃO EXAMINADA A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA POR EMPRESA PÚBLICA MUNICIPAL. INTERESSE PÚBLICO SECUNDÁRIO. Nos termos do artigo 127, -caput-, da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis. Com a Constituição da República, o Ministério Público desvinculou-se de forma definitiva do seu papel de agente do Poder Executivo, transformando-se em instituição permanente e autônoma, independente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa do interesse público, coletivo e individual homogêneo, qualificados como interesses públicos primários. Não obstante restar consolidada a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação rescisória além das hipóteses previstas nas alíneas -a- e -b- do inciso III do artigo 487 do CPC (Súmula nº 407/TST), imprescindível que a atuação da instituição seja concentrada na defesa dos interesses públicos primários e não secundários. Ao contrário do alegado pelo Ministério Público do Trabalho na petição inicial da presente ação rescisória, a ausência de exame, na decisão rescindenda, da prejudicial de prescrição suscitada pela reclamada não se confunde com a defesa da completa prestação jurisdicional, mas sim com a defesa patrimonial da empresa pública municipal, interesse público nitidamente secundário. Processo extinto, sem resolução de mérito. (ROAR - 124000-95.2007.5.04.0000, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 21/05/2013, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013).

Nesse contexto, principalmente porque a sentença tomou como base a prova técnica viciada, conclui-se que o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade ad causam para propor a presente ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário para, afastando o óbice imposto na origem, determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional, a fim de que prossiga na análise da ação rescisória, como entender de direito.

Determino a juntada dos documentos anexados pelo Ministério Público do Trabalho.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, vencidos os Excelentíssimos Ministros Luiz José Dezena da Silva, Renato de Lacerda Paiva, Alexandre de Souza Agra Belmonte e Douglas Alencar Rodrigues,  dar-lhe provimento para, afastando o óbice imposto na origem, determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional, a fim de que prossiga na análise da ação rescisória, como entender de direito. Por unanimidade, determinar a juntada dos documentos anexados pelo Ministério Público do Trabalho.

Brasília, 20 de abril de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) 

MARIA HELENA MALLMANN 

Ministra Relatora

 

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