TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 05

Data da publicação:

Sentenças

Camila Costa Koerich - TRT/SP



CROWDWORK. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT) ajuíza ação civil pública em 06/03/2020 em face de IXIA GERENCIAMENTO DE NEGOCIOS LTDA. Alega que a reclamada contrata, de forma fraudulenta, empregados como se prestadores de serviço fossem. Com base nos fundamentos expendidos na petição inicial, formula os pedidos nela elencados. Atribui à causa o valor de R$ 130.000,00. Junta documentos.



PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO

PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

59ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

Ação Civil Pública Cível

ACPCiv 1000272-17.2020.5.02.0059

Processo Judicial Eletrônico

Data da Autuação: 06/03/2020

Valor da causa: R$ 130.000,00

Partes:

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

RÉU: IXIA GERENCIAMENTO DE NEGOCIOS LTDA.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT) ajuíza ação civil pública em 06/03/2020 em face de IXIA GERENCIAMENTO DE NEGOCIOS LTDA. Alega que a reclamada contrata, de forma fraudulenta, empregados como se prestadores de serviço fossem. Com base nos fundamentos expendidos na petição inicial, formula os pedidos nela elencados. Atribui à causa o valor de R$ 130.000,00. Junta documentos.

A(s) ré(s) apresenta(m) defesa(s).

É oportunizada réplica.

É oportunizada produção de provas em audiência.

Sem outras provas, é encerrada a instrução.

Razões finais oportunizadas.

Não houve conciliação.

Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

QUESTÕES PROCESSUAIS

RESUMO DOS DEPOIMENTOS – PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

Dispõe o art. 6º do CPC que "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva."

Houve decisão do Juízo em audiência para que não fossem reduzidos a termo os depoimentos. Além da fundamentação já apresentada, sublinho que há notável aumento na qualidade dos depoimentos decorrente da maior dinamicidade na colheita da prova oral sem as pausas necessárias para a redução a termo e eventuais interrupções. Na audiência por videoconferência, a parte ou testemunha acompanha a redação do termo de audiência, o que também prejudica a qualidade de seu depoimento, pois pode, a qualquer tempo, verificar o que já foi dito e evitar entrar em contradições.

De qualquer maneira, ao longo dos depoimentos é realizada a transcrição pelo próprio Juízo, de forma resumida (art. 851 da CLT), de todas as partes relevantes dos depoimentos colhidos, o que é, neste momento, disponibilizado às partes e demais instâncias julgadoras. Caso entendam as partes que há outras passagens de relevância ou alguma espécie de equívoco, deverão apresentar em recurso ordinário a respectiva degravação, bem como minuto e segundo em que se encontra a passagem que deseja apontar. Sublinho, desde já, portanto, que são incabíveis embargos de declaração para tal finalidade.

Depoimento da testemunha, Sr. Wilson: que prestou serviços para a ré de setembro de 2018 a maio de 2020; que prestou serviços por meio de uma MEI, sua empresa; que não foi obrigado a abrir uma MEI para ser contratado; que já trabalhava no ramo de tecnologia antes da contratação; que depois de o contrato ser rescindido com a reclamada, continua como MEI e não procurou outro serviço com carteira assinada, utilizando-se ainda de sua MEI; que perguntado pela ré se entender ser melhor ser contratado com vínculo empregatício ou com MEI, afirma que acredita que foi melhor ser contratado via MEI; que perguntado o motivo disso, afirma que se dá por ter autonomia de horários em razão de suas outras atividades e tempo com a família; que era classificador de dados, em home office; que não havia nenhuma regra de como deveria executar o serviço; que tinha acesso por meio de login e senha e ficava aguardando a entrada de áudio para compreender o áudio e se for o caso retornar o comando para o sistema compreender alguma dificuldade com relação à interpretação do que a pessoa falava; que retornava com a compreensão que foi falado; que a reclamada não interferia com regras de como deveria fazer essa classificação; que o exemplo dado foi dizer, por exemplo, que a pessoa falou “seis”, e não “três”; que os equipamentos eram por conta do prestador; que havia recomendações para ter o melhor equipamento para prestar um melhor atendimento, com boa conexão de internet; que antes de logar no sistema não precisava fazer nenhum tipo de aquecimento ou treinamento; que as hipóteses de classificação contidas no sistema eram definidas pelo cliente da reclamada; que atendia o cliente SKY; que não acompanha a ligação “ao vivo”; que não intervinha para corrigir sistema; que não falava diretamente com o cliente; que não prestava serviço de teleatendimento; que a classificação que fazia não era de acordo com uma ordem da reclamada; que a reclamada não estabelecia um tempo para realizar a classificação, mas o cliente exigia que isso fosse feito o quanto antes;  que não existia um tempo mínimo ou máximo; que o depoente afirma que prestava o melhor serviço o quanto antes; que não havia controle do tempo que levava para prestar o serviço; que era o depoente quem definia dias e horários para a realização do serviço; que isso permaneceu dessa forma durante todo o contrato; que se deixasse de comparecer no horário agendado não teria punição da reclamada; que poderia agendar qualquer dia e qualquer horário para prestar serviço; que não havia prazo para escolher o dia e horário; que não havia controle quanto ao dia em que escolheu trabalhar (se de fato trabalhou); que se não logasse naquele dia, não precisaria de autorização para tanto; que poderia trocar dia e horário com outro prestador, sem aval da reclamada; que já fez isso; que poderia ficar dias ou semanas sem prestar serviços, a seu critério; que isso já aconteceu com o depoente; que não precisou de autorização ou treinamento para voltar a ingressar no sistema; que não havia restrição da reclamada quanto a período mínimo ou dias específicos, poderia trabalhar em qualquer dia e qualquer período; que se logasse em horário mais tarde ou saísse mais cedo do que o horário que disse que faria, não receberia nenhuma advertência ou punição; que no sistema havia a possibilidade de fazer pausas; que não era obrigado a fazer as pausas; que no seu login e senha poderia colocar outra pessoa para trabalhar em seu lugar, ficava a seu critério; que já fez isso, no caso, a sua esposa esporadicamente fez o serviço em seu lugar; que não era necessário comunicar ou pedir autorização da reclamada para tanto;  que a reclamada não fiscalizava a execução dos serviços; que não havia metas; que a reclamada nunca o impediu de logar no sistema; que a reclamada não poderia transferir o áudio de um classificador e enviar para outro; que a reclamada não exigia a realização de cursos de aperfeiçoamento; que  não precisava enviar relatórios ou prestar conta das atividades desempenhadas; que o “helpdesk”/operacional serve como suporte para tirar dúvidas em relação ao sistema, conexão de internet; que não tinha ordens a cumprir; que não recebia salário fixo; que no contrato foi estipulado uma  remuneração referente ao número de horas logado no serviço; que se não conseguisse logar, não tinha de colocar alguém em seu lugar, não havia essa obrigatoriedade; que não havia exigência de limpeza semanal na máquina para logar; que a reclamada não emitia instrução diária de como realizar o serviço; que conheceu a reclamada por meio de um amigo que prestava serviços para a ré, o qual indicou para o depoente a empresa; que encaminhou e-mail se oferecendo para prestar os serviços à reclamada; que a resposta foi que havia vaga e necessidade, e o depoente passou o que tinha de conhecimento (experiência na área de informática); que lhe passaram login e senha para conhecer o sistema; que não encaminhou currículo; que a empresa passou um e-mail com instruções e protótipo do sistema para que conhecesse; que as instruções eram relacionadas ao equipamento (compatibilidade para melhor prestação de serviços e conexão de internet); que o trabalho em si não havia regra de como se fazer, mas já conhecia a área; que perguntado como que soube o que tinha que fazer, diz que o sistema é intuitivo e que já tinha experiência na área de informática; que perguntado como sabia que a função era uma coisa específica, afirma que o sistema era muito simples; que reperguntado, afirma que no e-mail tinha instruções de como acessar “e como fazer o melhor trabalho possível”; que reperguntado para que esclareça, afirma que no e-mail constava a informação de que o serviço seria de classificação de dados; que não houve necessidade de treinamento; que não encaminhava uma escala mensal para informar os horário que queria; que perguntado se poderia acordar e decidir sozinho que queria trabalhar naquele dia, ou se tinha que escolher os horários no mês, afirma que não tinha necessidade de permissão da empresa; que afirma que era a sua opção de organizar mensalmente, mas poderia diariamente decidir acordar e trabalhar para a empresa; que poderia trabalhar tantas horas quanto quisesse logado trabalhando; que não havia recomendação da empresa para que trabalhasse um número de horas; que não tinha necessidade de indicar com antecedência os dias disponíveis ou horário que queria trabalhar; que perguntado que já que recebia por tempo logado, se poderia ficar sem fazer nada durante a “jornada”, afirma que não, porque nunca se sabe quando que “vai cair” o áudio para ele interpretar; que perguntado se tinha que fazer alguma coisa a mais além de ficar logado, afirma que no seu entendimento tinha que cumprir a sua obrigação durante o tempo que está logado; que não tem como ficar logado sem fazer nada, porque havia chamadas a serem atendidas; que perguntado “e se saísse” durante esse período, afirma que não fazia, porque não queria entregar um serviço de má qualidade, já que o cliente poderia reclamar para a reclamada; perguntado o que poderia acontecer em relação ao depoente se o cliente reclamasse, afirma que poderia haver rescisão do contrato, “assim como eu também poderia rescindir”; que perguntado quem avalia se o serviço prestado pelo depoente era bom ou ruim, afirma que se o cliente fizesse reclamação, poderia pedir a gravação e não sabe a qual setor reportaria isso; que afirma que não tem na reclamada algum responsável por fazer essa cobrança; que perguntado quanto à impossibilidade de subcontratação contida no contrato, e perguntado se no seu contrato constava tal cláusula, afirma que desconhece essa informação, que ficava ao seu critério colocar alguém para trabalhar no seu ponto; que quanto ao seu serviço, afirma que no seu setor recebia uma chamada por vez para a compreensão; que perguntado se tinha um tempo limite para abrir essa chamada, afirma que não tinha um tempo determinado, mas para prestar um serviço de qualidade procurava fazer o serviço o mais rápido possível; perguntado o motivo, afirma que não tinha contagem regressiva nem nada do gênero; que a sua remuneração era desvinculada ao número de áudios ou número de minutos de áudios ouvidos; que perguntado o valor recebido, afirma que à época era R$0,11 o minuto logado; que por mês, recebia em média R$1.200,00 mensais.

DA DESNECESSIDADE DE REPETIÇÃO EM JUÍZO DE PROVAS OBTIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO COM CONTRADITÓRIO

A maior parte da doutrina e da jurisprudência posicionam-se acerca da desnecessidade de repetição de provas obtidas pelo Ministério Público do Trabalho em inquérito civil, uma vez que os atos do Parquet possuem presunção de veracidade e legitimidade. No caso em tela, a desnecessidade fica ainda mais evidente, uma vez que os depoimentos foram colhidos na presença da parte reclamada, a qual pôde, inclusive, realizar perguntas para todos os inquiridos.

A alegação realizada pela reclamada às fls. 138 (“os depoimentos colhidos em audiência realizada no curso do inquérito civil, foram distorcidos para atenderem o interesse do Ministério Público”), além de ser grave e não ser clara (se o Ministério Público do Trabalho distorceu os depoimentos, ou seja, as palavras que constam da ata de audiência foram distorcidas, ou se essa suposta distorção se dá pela forma que o Ministério Público do Trabalho enquadra juridicamente a situação), também não foi provada. Ainda, também não há qualquer manifestação do patrono da ré ou da própria ré em tais atas de audiência ou no inquérito realizado afirmando a suposta distorção de depoimento.

Assim, as provas são acolhidas e possuem valor equivalente à prova obtida em Juízo.

ALEGAÇÃO DE “PERDA DO OBJETO”

O pedido do Ministério Público do Trabalho se refere tanto ao passado, como ao futuro. O fato de, neste momento, segundo a ré, inexistirem prestadores de serviço contratados, não modifica o que já ocorreu, e também não impede a tutela inibitória pleiteada pela parte autora, até mesmo porque não houve baixa da empresa.

PRELIMINARES INÉPCIA

O parágrafo 1º do artigo 840 da CLT estabelece que, sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

Nesses termos, a petição inicial não se ressente do vício que lhe é imputado, até mesmo porque não impediu a defesa da reclamada.

No início da petição inicial o Ministério Público do Trabalho descreve parte das tarefas realizadas por parte dos “prestadores de serviço” da reclamada. Veja-se que não é possível que o Ministério Público do Trabalho descreva, pormenorizadamente, todas as tarefas de todos os prestadores de serviço da ré, exatamente em razão do caráter coletivo da demanda. No mais, o Parquet deixa clara a pretensão quanto ao reconhecimento de vínculo dos “prestadores de serviço” que atuam de forma permanente ou reiterada na reclamada – tanto que, ao final, há o pedido de reconhecimento de vínculo da seguinte maneira: “declaração da relação jurídica de emprego entre a IXIA GERENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA. e todos os seus trabalhadores, atualmente denominados prestadores de serviço, que realizam teleatendimento (contact center  ou call center), análise e classificação de dados, suporte técnico e informático, pesquisas de satisfação, montagem de fluxos de sistemas de computação, através de sua plataforma digital ou de terceiros na modalidade de crowdwork”.

Rejeito a prefacial.

IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA

O valor da causa indicado pelo Ministério Público do Trabalho é exatamente o valor pleiteado a título de indenização por danos morais coletivos. Não há desproporcionalidade, mas sim cumprimento do que determina o art. 840 da CLT e art. 292 do CPC. Rejeito a preliminar.

NO MÉRITO

PRESCRIÇÃO

Não há prescrição a ser pronunciada. Não há pedidos de obrigação de pagar em relação aos pedidos de natureza declaratória, os quais são imprescritíveis – assim como a obrigação anexa de anotação de CTPS. Quanto à indenização por danos morais coletivos, considerando que a situação descrita pelo Ministério Público do Trabalho ainda ocorria no ano do ajuizamento da demanda, não houve o decurso do prazo quinquenal disposto na Lei de Ação Popular, aplicável de forma analógica. Rejeito.

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Pleiteia o Ministério Público do Trabalho o reconhecimento do vínculo empregatício dos trabalhadores da reclamada que são programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático (esclarecimento prestado na última audiência).

Explicitando os conceitos básicos para a compreensão do caso em tela, afirma o jurista Dallegrave Neto:

Dentro do gênero (economia sob demanda) temos duas espécies: a) o crowd work; e b) o trabalho sob demanda por meio de aplicativos. No primeiro, há uma plataforma que terceiriza microtarefas para uma multidão de conectados em qualquer lugar do mundo, a exemplo da contratação de tradutores ou revisores de textos. Na observação de André Zipperer, o crowd work constitue uma categoria ímpar diante de suas quatro característicias simultâneas: a) relação triangular online entre a empresa da plataforma, o trabalhador da multidão e os requerentes (clientes da plataforma); b) conexão direta entre o requerente do serviço e o trabalhador, via plataforma; c) prestação de trabalho pessoal; d) descontinuidade das relações promovidas pela plataforma, sendo curta e específica a relação entre requerente e trabalhador1 .

Verifica-se, portanto, que o trabalho prestado na forma crowdworking se assemelha ao que ocorre nos websites de lojas que são marketplace: o website vende (ou pode vender) produtos de sua própria loja e estoque, mas, também, serve como plataforma de venda de produtos de outras lojas. O benefício destas é, basicamente, o alcance muito maior angariado ao vender seus produtos (sejam de fabricação própria ou não) em uma grande loja (muitas vezes conhecida pelos consumidores e tida por confiável), em oposição ao que ocorreria ao vender em seu próprio website ou aplicativo, este desconhecido da grande massa de consumidores.

Paralelamente, o crowdworking seria, em tese, algo similar, porém, ao invés de oferecer através desta plataforma seus produtos, o trabalhador oferece seus serviços a um terceiro, de forma que o beneficiário de seus serviços ou controlador da qualidade não é a plataforma em si, mas sim também um usuário do sistema, porém, da outra ponta.

Claro, o “em tese” afirmado se dá em razão de um dos princípios basilares e constituintes da Organização Internacional do Trabalho, o qual disciplina que o trabalho e, por consequência lógica, o trabalhador também, não é uma mercadoria – Declaração da Filadélfia. A própria nomenclatura utilizada internacionalmente quanto aos trabalhadores que atuam na área de crowdworking já mostra, por si só, que existe ao menos uma potencialidade de precarização do direito do trabalho: human-as-a-service, em tradução livre, “humano como um serviço”.

Esta precarização não é teórica, mas sim prática e verificada pela própria Organização Internacional do Trabalho em estudo por ela realizado. Após análise de pesquisa feita com mais de 3.500 trabalhadores que trabalham em tal regime, a OIT apresentou diversas conclusões: 1) a maior parte dos trabalhadores em crowdworking  aufere remuneração inferior ao salário mínimo do local em que laboram; 2) trabalhadores estadunidenses e europeus recebem um valor superior aos trabalhadores de outras regiões do mundo; 3) a cada hora de trabalho, o trabalhador gasta 20 minutos em trabalhos relacionados porém não remunerados; 4) a maior parte dos trabalhadores gostava da forma de prestação de serviços com horário flexível, havendo disparidade de gênero em relação às mulheres que, estatisticamente, acabam cumulando funções domésticas e a necessidade de permanecer mais tempo em casa; 5) a maior parte das tarefas são simples e repetitivas e não coincidem com o nível de educação dos trabalhadores, que é superior; 6) a proteção social é inversamente proporcional à necessidade e utilização do crowdworking, de forma que os trabalhadores que mais dependiam de tal forma de remuneração, menos proteção social possuíam2.

Embora exista no imaginário da sociedade uma percepção de que trabalhos em ambientes virtuais demandam um grande conhecimento técnico ou tecnológico, sublinhe-se o que foi constatado pela OIT no item 5, qual seja, o fato de que na maior parte das vezes existe grande repetição de tarefas, as quais são de simples realização. A testemunha ouvida em Juízo a convite da reclamada, por exemplo, tinha como única atividade ouvir áudios e compreender o que a pessoa naquele áudio havia falado por falha ou falta de inteligência artificial que o fizesse, tendo exemplificado a sua atuação com inscrever no sistema que a pessoa no áudio não falou a palavra “seis”, mas sim a palavra “três”, o que, evidentemente, não demanda qualquer conhecimento específico ou diferenciado.

E neste momento que ingressa o necessário exame dos requisitos para o reconhecimento do vínculo empregatício.

A reclamada sustenta que a testemunha, assim como os demais trabalhadores apontados no primeiro parágrafo deste tópico, é um empreendedor, tanto que constituiu pessoa jurídica, trabalhava sob sua conta e risco, e que não existia pessoalidade na prestação de serviços ou subordinação.

Quanto à onerosidade, esta é indubitavelmente presente, pois existia prestação de serviços por parte dos trabalhadores e a contraprestação pecuniária por parte da reclamada.

Quanto à pessoalidade, diferentemente do que alega a ré, o contrato de prestação de serviços por ela formulado é claro ao dispor a pessoalidade da prestação de serviços no item 8, a: “O Prestador deverá observar as seguintes restrições: a)  não poderá subcontratar e/ou utilizar terceiros para a execução de quaisquer serviços solicitados pela IXIA.” (ID d1db1b9).

Embora a ré impugne o documento, ela afirma que o documento não é suficiente para demonstrar a existência de vínculo empregatício. Assim, não alega qualquer falsidade ideológica do documento. Entendo, desta forma, que a prova documental nos autos já é clara ao demonstrar a existência de obrigatória pessoalidade na prestação de serviços.

O fato de a testemunha indicada pela reclamada ter afirmado que, em ocasiões, a sua esposa fez o trabalho por ele, afirmando que desconhece tal cláusula, na realidade, apenas demonstra a inveracidade de seu depoimento, o que é evidenciado também em outros momentos.

A testemunha indicada pela ré afirma que não existe nenhum controle por parte da reclamada quanto ao efetivo trabalho realizado, ou seja, se o “prestador de serviços” encontra-se realmente trabalhando, ou se está apenas “logado” no sistema. Afirma, ainda, que não existe um tempo máximo para realizar o seu serviço quando lhe é disponibilizado o áudio para escuta. No entanto, de forma ilógica, o sistema permite, segundo a mesma testemunha, a inserção de “pausa” no sistema. Ora, se não existe tempo máximo para realizar o serviço, e se não existe controle quanto à realização ou não da atividade por parte do “prestador de serviço”, não haveria qualquer necessidade ou fundamento para a possibilidade de inserção de pausas no sistema.

Ainda, a testemunha foi clara ao afirmar que não enviou currículo para a ré, enquanto a ré, no depoimento pessoal prestado no inquérito, afirmou que “a forma de recrutamento ou habilitação para prestador de serviços remoto na IXIA é através de envio de e-mail com currículo do candidato interessado”. A testemunha, ainda, afirmou que “não foi obrigado a abrir uma MEI para ser contratado”, enquanto a ré em seu depoimento pessoal disse que “a condição de MEI é requisito obrigatório para a prestação de serviço na IXIA”. Tal afirmação, além de tudo, consta da documentação juntada pelo MPT (ID 412029b). Além disso, a testemunha afirma que “não havia controle quanto ao dia em que escolheu trabalhar (se de fato trabalhou)”, e que poderia, a qualquer momento, decidir trabalhar sem qualquer tipo de autorização ou, até mesmo, deixar de trabalhar no horário que ele havia escolhido, o que, novamente, vai de encontro às máximas da experiência.

A documentação juntada aos autos pelo Ministério Público do Trabalho demonstra situação absolutamente diversa. O documento de ID d4655b7 comprova a existência de escalas fixas de trabalho, bem como o depoimento colhido pelo Ministério Público do Trabalho em inquérito demonstra que caso o trabalhador não pudesse laborar no dia que havia escolhido, deveria encontrar alguém que o substituísse que também trabalhasse na reclamada. Ainda que o documento tenha sido impugnado, a ré atraiu para si o ônus de demonstrar a sua invalidade, o que não fez.

Tal documentação juntada comprova, também, que não existe eventualidade na prestação de serviços, pois o serviço dos “prestadores de serviço” é esperado e organizado pela reclamada. Caso todos eles deixassem de laborar, o que poderiam (em tese) fazer, no atual estado tecnológico, seria inviável a continuidade da atividade econômica da reclamada.

Partindo para a análise da subordinação, e considerando novamente que a reclamada não demonstrou qualquer incorreção ou inveracidade do documento, aquele de ID 8b9a5c0, p. 1, demonstra clara subordinação dos trabalhadores, uma vez que a reclamada afirmou que “reduzimos o número de trocas. Não serão autorizadas trocas de um dia para outro nem com horário picado, somente turno inteiro”, e que “A troca somente poderá ocorrer depois de ser analisada e autorizada no trello com uma etiqueta colorida indicando a autorização.” Existia obrigação de “limpeza semanal da máquina” (ID 37babf2), sob pena de “o Operacional poderá impedir o SI de logar em produção”.

Ainda quanto à subordinação jurídica, como apontado anteriormente, a testemunha ouvida em inquérito também afirmou que “todo dia 15 do mês a depoente recebe da IXIA uma planilha, pelo sistema, com todos os dias e horário disponíveis para trabalhar no mês seguinte; a depoente faz a sua escolha e informa a IXIA através do sistema; se ocorrer algum imprevisto em algum dia e horário já definido pela depoente, esta tem que entrar em contato com algum colega via WhatsApp para saber se alguém pode trabalhar no lugar dela; se ninguém puder a depoente tem que comunicar a empresa; a comunicação à IXIA é a única exigência para se isentar de trabalhar naquele dia; a depoente sempre comunicou a empresa, não sabe o que ocorre se não comunicar”.

A alegação da reclamada quanto ao fato de os trabalhadores serem empreendedores não se sustenta. Não existe empreendimento, de fato, que seja realizado, por exemplo, pela testemunha ouvida em Juízo – ou por sua empresa. Qual seria a atividade econômica por ele exercida, e a qual risco econômico está submetido, senão em relação ao valor econômico de seu trabalho (que não é estipulado por ele), horários de trabalho (disponibilizados pela reclamada, e que devem ser cumpridos), e exercício de atividade (escolhida pela reclamada)?

Veja-se que a testemunha ouvida em Juízo a convite da reclamada é clara ao afirmar que caso o cliente não ficasse satisfeito com a prestação de serviços, isso poderia ser fundamento para a reclamada rescindir o contrato de “prestação de serviços” com o depoente.

Sublinhe-se, além disso, que o fato de os trabalhadores poderem laborar nos dias e horários que preferirem, porém de acordo com a escala apresentada pela reclamada, também não é relevante para demonstrar a ausência de vínculo empregatício. A própria CLT, ao tratar do empregado intermitente, afirma que a recusa do chamado não importa ausência de subordinação. Desta forma, a flexibilidade de horários de trabalho, bem como a possibilidade de o trabalhador empregado também possuir o direito à escolha de horários de trabalho já são admitidas pela legislação trabalhista.

Embora, de fato, a prestação de serviços existente no caso não se amolde à figura clássica da subordinação, é necessário compreender tal conceito de acordo com a realidade existente no dia de hoje, e não como a organização do trabalho se apresentava há 50 anos.  Com a inserção da possibilidade de contratação de trabalhador intermitente na CLT, a própria noção de subordinação jurídica foi modificada ou, ao menos, atualizada pelo legislador. Manter a compreensão de que subordinação jurídica somente existe em relação às formas de trabalho que conhecemos há décadas é fechar os olhos para uma nova realidade que se impõe.

Diga-se, inclusive, que tal atualização foi iniciada já há algum tempo, pois o legislador acrescentou na CLT, em 2011, dispositivo específico que trata de subordinação por meios telemáticos – art. 6º, parágrafo único, sendo exatamente este o caso deste processo.

Se a reclamada precisa de pessoas para prestar serviços, sem eventualidade, mas sim em escalas flexíveis, de forma subordinada (como é o caso dos autos), com pessoalidade, poderia ter contratado empregados sob o regime especial de contratação intermitente. No entanto, não o fez.

Veja-se o paradoxo existente: a pessoa humana que trabalha é empregada para realizar um serviço (repetitivo e de vínculo jurídico precário) que a inteligência artificial não conseguiu realizar sozinha, alimentando esta mesma inteligência artificial para, no futuro, sua função ser absolutamente desnecessária em razão do acompanhamento e evolução da inteligência artificial, o que gerará o seu desemprego, em completo desacordo com o que preceitua a Constituição Federal ao dispor que é um direito fundamental do trabalhador a proteção em face da automação – art. 7º, XXVII. O trabalhador, desta forma, é utilizado como mera ferramenta para que ele próprio seja desnecessário e descartado futuramente, sem que sequer lhe sejam reconhecidos os direitos fundamentais do exercício deste trabalho.

E neste futuro distópico, pergunta-se se a empresa reclamada seria uma empresa cuja atividade econômica giraria, tão somente, em torno da atividade de inteligência artificial, sem qualquer necessidade de atividade humana. Aparentemente, seria uma pessoa jurídica, uma sociedade que serviria para gerir, tão somente, o seu lucro. Contudo, a livre iniciativa preceituada na Constituição, embora seja um fundamento da República (art. 1º, IV), o é em justo equilíbrio com o valor social do trabalho. O art. 170 da Constituição também determina que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem como objetivo assegurar a existência digna de todos, de forma a atingirmos a justiça social. Esses valores foram escolhidos pela Constituinte como base do Estado Democrático de Direito, e não podem ser esquecidos ou ignorados.

Tais fundamentos estão de acordo com a própria noção de trabalho decente propalada pela Organização Internacional do Trabalho e seus quatro objetivos estratégicos, quais sejam: promoção dos direitos no trabalho, extensão da proteção social, geração de empregos produtivos de qualidade e fortalecimento do diálogo social. Tais objetivos não são apenas objetivos nacionais, mas sim metas de quase todo o planeta, uma vez que a Organização das Nações Unidas incluiu a concretização do trabalho decente como um dos 17 objetivos da chamada Agenda 2030, com a finalidade de erradicar a pobreza e criar um desenvolvimento global sustentável3.

Por fim, absolutamente irrelevantes os documentos acostados aos autos através dos quais os “prestadores de serviço” afirmam que não possuem interesse em reconhecimento do vínculo empregatício. Para mais, a presente sentença sequer possui natureza constitutiva quanto ao vínculo, mas sim declaratória, pois o vínculo empregatício existe, ainda que ambas as partes não o reconheçam como tal. Interessante notar no documento de fls. 242 que consta na declaração firmada pela prestadora de serviços Sra. Elaine Gomes Dias um parágrafo e, abaixo dele, um “OU”, seguido de outro parágrafo, o que demonstra, claramente, que sequer foi a própria pessoa quem redigiu aquele documento – tanto que existem diversos “campos” a serem preenchidos, basta ver os diversos sinais de “_” ao longo do texto.

Pelos motivos supracitados, julgo procedentes os pedidos do Ministério Público do Trabalho, e reconheço o vínculo empregatício de todos aqueles trabalhadores especificados na ata de audiência (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) que tenham prestado serviços à reclamada, independentemente da plataforma digital utilizada, local de prestação de serviços ou inscrição em MEI do trabalhador. Determino que a reclamada anote a CTPS digital de todos estes empregados no prazo de 5 dias, devendo ser intimada para tanto em execução, sob pena de multa diária equivalente a R$500,00 por dia, por trabalhador, multa a ser revertida ao FAT. Autorizo que a Secretaria da Vara do Trabalho realize as referidas anotações caso atingido o valor total de R$100.000,00 a título de multa.

Julgo, também, procedente o pedido referente à tutela inibitória, e condeno a reclamada à obrigação de não contratar ou manter trabalhadores (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) como autônomos ou microempreendedores individuais, por meio de contratos de prestação de serviço, de parceria ou qualquer outra forma de contratação civil ou comercial quando presentes os requisitos do art. 3º da CLT, conforme fundamentação supra, a contar do trânsito em julgado desta ação, sob pena de multa de R$10.000,00 por contratação realizada, sendo os valores revertidos ao FAT.

Os vínculos empregatícios e obrigações reconhecidas possuem eficácia erga omnes e extensão territorial em todo o território nacional, com base na decisão do STF no RE 1.101.937.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO

Enoque Ribeiro dos Santos leciona que dumping social é uma “prática de gestão empresarial antijurídica, moldada pela concorrência desleal e ausência de boa-fé objetiva, que busca primacialmente a conquista de fatias de mercado para produtos e serviços, seja no mercado nacional ou internacional, provocando prejuízos não apenas aos trabalhadores hipossuficientes contratados em condições irregulares, com sonegação a direitos trabalhistas e previdenciários, bem como às demais empresas do setor.”. Afirma, ainda, que “apresenta-se como um dano social, difuso e coletivo, pois atinge ao mesmo tempo trabalhadores já contratados e inseridos na exploração por empresas que o praticam, como futuros trabalhadores que poderão vir a ser aliciados e ingressarem nesse tipo de empreendimento, em situações de crise social ou de desemprego, como vivenciamos neste momento”4.

Filio-me à parte da doutrina e jurisprudência que considera o dumping social uma das consequências do dano moral coletivo.

O dano moral coletivo, no caso em tela, é um dano in re ipsa, tanto em razão do descumprimento dos preceitos do direito do trabalho, como dos preceitos do direito econômico. A reclamada, utilizando-se da contratação de “prestadores de serviço” e deixando de reconhecer os vínculos empregatícios existentes obteve vantagem econômica sobre outras empresas de forma ilegal, e pôde se utilizar dos valores que deveria ter pago aos seus empregados de forma a alavancar o seu negócio. Percebe-se, portanto, que toda a coletividade é prejudicada em razão do ato ilícito perpetrado pela reclamada.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é pacífica quanto à contratação fraudulenta de empregados ser fundamento para a condenação de indenização por danos morais coletivos:

RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. COOPERATIVA FRAUDULENTA. 1. O TRT reconheceu o desvirtuamento da finalidade da cooperativa agravada, a qual atuava como simples fornecedora de mão-de-obra. Consignou expressamente que "na formação da e atuação da Cooperativa ré não se constata a presença dos princípios da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, passando a entidade a atuar como mera fornecedora de mão de obra." No entanto, entendeu não se caracterizar o dano moral coletivo porque para esse fim "deve haver uma agressão significante, ou seja, uma violação antijurídica absolutamente injustificável de interesses metaindividuais socialmente relevantes. A ofensa à coletividade que justifica a reparação deve ser aquela que cause abalo, repulsa e indignação ou mesmo a diminuição da estima em dimensão coletiva, o que não é o caso dos autos". 2. A fraude na intermediação de mão-deobra por meio de cooperativa, demonstrada no caso dos autos, importa em burla à legislação trabalhista. 3. E, à luz da jurisprudência desta Corte, a infração ao ordenamento jurídico é suficiente à caracterização do dano moral coletivo, pois resta afetada toda a coletividade. Recurso de revista conhecido e provido. [...]"  (RR - 171600-11.2009.5.03.0020 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 05/09 /2018, 1ª Turma , Data de Publicação: DEJT 10/09/2018).

Julgo procedente o pedido do Ministério Público do Trabalho, e considerando ser proporcional o valor apontado pelo Parquet, considerando o número de empregados estimados atingidos, condeno a ré ao pagamento de indenização de R$130.000,00 por danos morais coletivos.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Indevidos, em razão do princípio da simetria.

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

Decidiu, assim, o Supremo Tribunal Federal, nas ADC’s nºs 58 e 59 e ADI’s nºs 5.867 e 6.021:

6. Em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE), em razão da extinção da UFIR como indexador, nos termos do art. 29, § 3º, da MP 1.973-67/2000. Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991).

7. Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º, da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem. (grifei)

Aplicável a correção monetária consoante o índice IPCA-E, mais juros legais, conforme decidido pelo STF, nos termos do art. 39, caput, da Lei n. 8.177 (TR na qualidade de juros, portanto), devendo ser considerada a época própria para o adimplemento das obrigações, nos termos do art. 459, §1º da CLT. A partir ajuizamento, os débitos devem ser atualizados conforme a SELIC, índice que abrange os juros e a correção monetária. Sublinho que tanto juros como correção monetária são pedidos implícitos (art. 322, §1º do CPC).

O índice SELIC também é aplicável em relação aos honorários sucumbenciais, devendo ser considerado o valor da causa corrigido, no caso de improcedência; o valor indicado ao pedido na petição inicial e corrigido, no caso de sucumbência recíproca, em relação ao valor devido pelo reclamante; ou o montante da condenação corrigido, no caso dos honorários sucumbenciais devidos pela(s) reclamada(s) sucumbente(s).

Indevido imposto de renda sobre o valor referente à SELIC, tendo em vista que o referido índice engloba duas grandezas distintas - juros e correção monetária. Tendo em vista que a correção monetária tem como intuito apenas a reposição do valor perdido em razão da inflação, não se está diante de “nova riqueza” capaz de atrair o imposto de renda. No mais, o STJ já decidiu no Recurso Repetitivo n. 1227133/RS que "não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais em decorrência de sua natureza e função indenizatória ampla".

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Considerando o dever de esclarecimento do magistrado, sublinho que os embargos de declaração somente devem ser opostos caso haja erro material, omissão, obscuridade ou contradição intrínseca à decisão exarada (art. 1.022 do Código de Processo Civil).

Assim sendo, a suposta contradição quanto às provas dos autos não é motivo para a oposição de embargos de declaração, uma vez que se trata de análise da prova e, portanto, entendimento jurisdicional exarado por esta Magistrada. Neste caso, deve a decisão ser atacada via recurso ordinário.

Ainda, não são cabíveis embargos de declaração para a discussão de pressupostos de admissibilidade de recurso que sequer foi interposto.

Por fim, os embargos declaratórios não têm função de prequestionamento quando o recurso cabível não possui natureza extraordinária. Logo, não são cabíveis embargos declaratórios para esta finalidade neste momento processual.

DISPOSITIVO

Ante o exposto,  rejeito a preliminar de inépcia e extinção do processo sem resolução do mérito por perda do objeto; no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação civil pública movida por MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT)  em face de IXIA GERENCIAMENTO DE NEGOCIOS LTDA para, observados os critérios expendidos na fundamentação:

1. reconhecer o vínculo empregatício de todos aqueles trabalhadores especificados na ata de audiência (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) que tenham prestado serviços à reclamada, independentemente da plataforma digital utilizada, e independentemente do local de residência e da inscrição em MEI do empregado. Determino que a reclamada anote a CTPS digital de todos estes empregados no prazo de 5 dias (art. 29 da CLT), devendo ser intimada para tanto em execução, sob pena de multa diária equivalente a R$500,00 por dia, por trabalhador, multa a ser revertida ao FAT. Autorizo que a Secretaria da Vara do Trabalho realize as referidas anotações caso atingido o valor total de R$100.000,00 a título de multa;

2. condenar a reclamada à obrigação de não contratar ou manter trabalhadores (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) como autônomos ou microempreendedores individuais, por meio de contratos de prestação de serviço, de parceria ou qualquer outra forma de contratação civil ou comercial quando presentes os requisitos do art. 3º da CLT, conforme fundamentação supra, a contar do trânsito em julgado desta ação, sob pena de multa de R$10.000,00 por contratação realizada, sendo os valores revertidos ao FAT;

3. condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$130.000,00, indenização a ser revertida ao FAT.

Os vínculos empregatícios reconhecidos e obrigações determinadas possuem eficácia erga omnes e extensão territorial em todo o território nacional, com base na decisão do STF no RE 1.101.937.

Juros e correção monetária nos termos da fundamentação.

Custas de R$ 2.600,00, calculadas sobre o valor de R$ 130.000,00, provisoriamente arbitrado à condenação, pela(s) reclamada(s) sucumbente (s).

Intimem-se as partes. Cumpra-se após o trânsito em julgado.

NADA MAIS.

SAO PAULO/SP, 10 de maio de 2022.

CAMILA COSTA KOERICH

Juíza do Trabalho Substituta

 

 

 

 


 

[1] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise jurídica do trabalho on demand e do crowd working à luz do neoconstitucionalismo. Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Curitiba, 10/01/2020, disponível em < www.andt.org.br>.  Acesso em 28/04/2022.

[2] Janine Berg, Marianne Furrer, Ellie Harmon, Uma Rani and M. Six Silberman. Digital labour platforms and the future of worl: Toward decente work in the online world. OIT, 20 September 2018. Disponível em <https://www.ilo.org/wcmsp5 /groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_645337. pdf> Acesso em 28/04/2022.

[3] ORSINI, Adriana Goulart de Sena; COSTA, Anna Jéssica Araújo. TENSÕES REGULATÓRIAS NO TRABALHO EM PLATAFORMAS NO BRASIL: REIMAGINAR A PROMOÇÃO DO TRABALHO DECENTE NO MUNDO DIGITAL. Teoria jurídica contemporânea: vl. 6, 2021, Acesso em 05/05/2021.

[4] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dumping social nas relações de trabalho. Formas de combate. Disponível em: <https://sistemas.trt3.jus.br/bd-trt3 /bitstream/handle/11103/27269/O%20dumping%20social%20enoque.pdf? sequence=2&isAllowed=y> Acesso em 28/4/2022.

 

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