TST - INFORMATIVOS 2021 246 - de 18 a 29 de outubro

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Maria Helena Mallmann - TST



Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Ato coator que exige uma descrição pormenorizada do valor de cada pedido descrito na inicial. Determinação de emenda à petição. Óbice injustificado do direito de ação. Ato teratológico. Mitigação da OJ nº 92 da SBDI-2 do TST. Segurança concedida.



RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 840, §1º, DA CLT. LEI Nº 13.467/2017. ATO COATOR EM QUE O MAGISTRADO NÃO ACOLHEU A INDICAÇÃO DO VALOR DE CADA PEDIDO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À PETIÇÃO. EXIGÊNCIA DE LIQUIDAÇÃO "PORMENORIZADA" DAS VERBAS REFERENTES A CADA PEDIDO. ÓBICE INJUSTIFICADO AO DIREITO DE AÇÃO. ATO TERATOLÓGICO. MITIGAÇÃO DA OJ Nº 92 DA SBDI-2 DO TST. SEGURANÇA CONCEDIDA. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra decisão interlocutória em reclamação trabalhista na qual se determinou que a petição inicial fosse instruída com cálculos detalhados de cada parcela pleiteada e suas repercussões, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito. A jurisprudência da SBDI-2/TST está orientada no sentido de que é inadequada a impetração do mandado de segurança quando, diante da omissão da parte reclamante acerca do "quantum" atribuído a cada pedido (art. 840, §1º, da CLT), o magistrado determina a emenda da inicial, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito. Contudo, na hipótese em que o demandante estabelece, "in status assertionis", valor a cada pleito formulado e, ainda assim, o magistrado condiciona o processamento da reclamatória à apresentação de memória de cálculos, o Colegiado tem considerado cabível a ação mandamental diante da abusividade e ilegalidade da medida.  Com efeito, a exigência de que a inicial venha acompanhada de memória de cálculos impõe ao reclamante prejuízo significativo e imediato que ultrapassa a esfera endoprocessual, porquanto o magistrado está, em última análise, determinando que o autor providencie, com recursos próprios, a realização de uma perícia contábil como condição para o início da relação processual. Essa circunstância justifica o afastamento da compreensão plasmada na Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-2/TST. No caso em tela, a autoridade coatora não se deu por satisfeita com a expressão financeira que o reclamante atribuiu para cada um dos seus pleitos. Ocorre que o indeferimento dos "cálculos por estimativa" e a exigência de que o Reclamante "liquide cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica" para somente então dar prosseguimento à reclamação trabalhista é medida manifestamente ofensiva ao art. 5º, XXXV, da Constituição da República. Constatada a ilegalidade e a abusividade do ato, a concessão da segurança é medida que se impõe para cassar o ato coator. Precedente. Recurso ordinário provido. (TST-ROT-101623-94.2019.5.01.0000, SBDI-II, rel. Min. Maria Helena Mallmann, 12/11/2021). 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário Trabalhista n° TST-ROT-101623-94.2019.5.01.0000, em que é Recorrente FELIPE NOBRE XEREZ, Recorrido CHARBON ROUGE LAGOA RESTAURANTE E BAR LTDA e Autoridade Coatora JUIZ TITULAR DA 28ª VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO.

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra decisão que determinou emenda à petição inicial.

A SDI-2 do TRT da 1ª Região negou provimento ao agravo interno e manteve a decisão monocrática que denegou a segurança com base na OJ 92 da SBDI-2 do TST.

Inconformado, o autor interpõe recurso ordinário.

O Subprocurador-Geral do Trabalho ratificou o parecer do Procurador Regional do Trabalho, opinando pela denegação da segurança.

Tramitação preferencial – art. 20 da Lei n.º 12.016/2009.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade relacionados à tempestividade e à regularidade de representação processual.

A parte recorre pleiteando a concessão do benefício da gratuidade de justiça.

Argumenta que "não há nos autos qualquer elemento que evidencie a falta de qualquer pressuposto para a concessão da gratuidade; muito pelo contrário, estando o Impetrante desempregado e vivendo com auxílio de parentes".

Defende que não recebe valor superior a 40% do Regime Geral de Previdência Social.

Analiso.

Na petição inicial, o autor declara ser hipossuficiente e requer a concessão do benefício de gratuidade da justiça.

Inexistem elementos probatórios capazes de infirmar a aludida declaração. Pelo contrário, com base na CTPS trazida aos autos, nota-se que o salário percebido pelo autor era muito inferior ao teto do RGPS.

Atendidos os requisitos do art. 790, §§ 3° e 4°, da CLT.

Desta feita, dispenso o recolhimento do preparo e conheço do recurso ordinário.

2 – MÉRITO

ART. 840, §1º, DA CLT. LEI Nº 13.467/2017. ATO COATOR EM QUE O MAGISTRADO NÃO ACOLHEU A INDICAÇÃO DO VALOR DE CADA PEDIDO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À PETIÇÃO. EXIGÊNCIA DE LIQUIDAÇÃO "PORMENORIZADA" DAS VERBAS REFERENTES A CADA PEDIDO. ÓBICE INJUSTIFICADO AO DIREITO DE AÇÃO. ATO TERATOLÓGICO. MITIGAÇÃO DA OJ Nº 92 DA SBDI-2 DO TST. SEGURANÇA CONCEDIDA

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região negou provimento ao agravo interno e manteve a decisão monocrática que denegou a segurança. Consignou os seguintes fundamentos:

A decisão agravada (ID. 11fb176) foi proferida nos seguintes termos, verbis:

DECISÃO

Cuida-se de ação de mandado de segurança por meio da qual o impetrante se insurge contra ato da MMª Juíza Titular da 28ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, praticado nos autos da RT nº que lhe determinou o prazo de 10 dias 0100736-26.2019.5.01.0028 para que proceda a liquidação dos pedidos, sob pena de extinção (ID. A4553a4).

Sustenta o impetrante, em suma, que atribuiu valor ao pedido na reclamação trabalhista ajuizada, ressaltando o caráter meramente estimativo e não vinculante do valor atribuído, como previsto no art. 12, §2º, da I.N. nº 41 do C. TST; que o art. 840, §1º da CLT, prevê que o pedido "deverá ser certo, determinado e com indicação do seu valor", mas que isso não significa que deva ser líquido; invoca o art. 324, §1º, III, do CPC, na medida em que a exata determinação econômica do valor da causa depende de documentos que estão em posse do reclamado e aos quais o impetrante não detém acesso livre e desimpedido; que, no caso, o pedido é de natureza salarial, de diferenças remuneratórias, com reflexos em diversas parcelas e rubricas, algumas delas bastante típicas, pagas pelo reclamado em virtude da sua prática ou em razão de cumprimento de decisões judiciais, incorporações, etc, com parcelas vencidas e vincendas; que indicar o valor líquido do pedido, importaria, na maior parte das vezes (como no caso em tela), em ofensa ao art. 5º, XXXV, da Constituição. Afirma que não há outro remédio processual para atacar o ato dito coator.

Alegando a fumaça do bom direito e o perigo na demora, pretende o deferimento de liminar para que seja determinado à autoridade coatora que suspenda a obrigatoriedade de apresentação de liquidação da peça inicial da ação originária, bem como suspenda qualquer eventual prazo em curso, até julgamento final do Ao final, requer a concessão mandamus. em definitivo da segurança e requer o benefício da gratuidade de Justiça neste writ.

Com a inicial, vieram diversos documentos, como procuração, substabelecimento, inicial da ação trabalhista, ato atacado, CTPS e carteira de identidade do impetrante.

É a síntese necessária para o momento.

Passo a decidir.

Indefiro, liminarmente, a petição inicial, uma vez que flagrante sua deficiência.

O mandado de segurança é uma ação própria para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data.

Dispõem os artigos 1º e 5º, caput e inciso II, da Lei nº 12.016/09, que, verbis:

Art. 1º- Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, nãoamparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

Art. 5º- Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:

(...)

II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

III - de decisão judicial transitada em julgado.

Direito líquido e certo é aquele direito certo quanto à sua existência, delimitado em sua extensão e passível de ser exercido no momento da impetração.

Já o artigo 10, do mesmo diploma legal, estabelece que "a inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração".

O indeferimento da inicial encontra amparo, também, no art. 197, do Regimento Interno do TRT da 1ª Região, que dispõe: "se a petição não atender aos requisitos do artigo anterior ou se, nos termos da lei vigente, não for o caso de mandado de segurança, poderá o relator indeferir de plano a inicial."

O impetrante ajuizou a ação mandamental, indicando como causa de pedir o ato da autoridade coatora que indeferiu a apresentação dos cálculos por estimativa, por entender que a operação matemática é integralmente possível e lhe determinou que apresentasse a liquidação de cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica, a título de emenda à inicial, no prazo de 10 dias, sob pena de extinção sem resolução do mérito (ID. a4553a4).

No caso, o ato atacado é uma decisão interlocutória e é passível de recurso no próprio feito em que proferida, ainda que com efeito diferido. Não pode o mandado de segurança, no processo do trabalho, ser empregado como sucedâneo do agravo de instrumento do processo civil.

Não fosse assim, a diferença entre a estimativa e a efetiva liquidação, é uma questão meramente de cálculos, já que, no momento da petição inicial, nunca haverá certeza e, muito menos, liquidez do direito pretendido, sob de tornar-se desnecessário o próprio processo. A rigor, o que se pede quando se exige a liquidação dos tópicos do pedido na petição inicial, é o cálculo dos valores que a parte autora entende como devidos e a sua memória, para efeito de verificação.

Ainda que não se concorde com a interpretação dada pelo juízo impetrado, a qual, aliás, confronta com a IN n. 41, do Eg. TST, não se pode dizer também que essa interpretação seja teratológica ou manifestamente ilegal, tanto é assim que a instrução editada pela Alta Corte teria justamente a função de dirimir dúvidas de interpretação da nova lei, não tendo essa instrução, porém, força vinculante.

Eventual dificuldade que a parte tenha para cumprir essa determinação, deve ser superada, porquanto, se vitoriosa na reclamação, deverá também proceder aos cálculos dos valores conquistados, ainda que seja para conferir aqueles de sentença porventura líquida proferida em seu favor.

Não se vê, por isso, qualquer cabimento na presente impetração. A sanção cominada pela falta de emenda será a extinção do feito e ocorrendo esta, caberá recurso ordinário no julgamento do qual a maior probabilidade é que prevaleça o entendimento constante da mencionada Instrução Normativa. Não haveria sequer que falar em necessidade de efeito suspensivo no recurso, porquanto ainda não risco de qualquer ato capaz de causar. Mesmo a condenação em custas, se satisfeita, levará à devolução futura.

É sabido que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 12.016/2009, a existência de recurso afasta, por si só, o cabimento do mandado de segurança. Assim, a ação de mandado de segurança só é admissível, por necessária, em tema de decisão ou despacho judicial, quando inexistente recurso para atacá-los e eles sejam capazes de produzir prejuízo imediato a direito líquido e certo da parte impetrante.

Nesse sentido, a O.J. nº 92, da SBDI-II, do TST e a Súmula nº 267, do STF, assim, dispõem:

OJ nº 92, da SBDI-II- MANDADO DE SEGURANÇA. EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO (inserida em 27.05.2002)

Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido.

SÚMULA Nº 267, do STF- NÃO CABE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE RECURSO OU CORREIÇÃO.

Sempre que o alegado dano ou ameaça, derivado de uma decisão interlocutória, confina seus efeitos ao interior do processo em que prolatada (dano ou ameaça endoprocessual) não cabe o mandado de segurança para impugná-la.

A decisão atacada é passível de impugnação no próprio feito em que proferida, ainda que com efeito diferido, e por meio de recurso, o que realmente afasta o cabimento da ação mandamental para o mesmo fim, de modo que o encontra óbice no disposto mandamus nos arts. 5º, II, e 10, da Lei nº 12.016/09. Assim sendo, no caso em exame, é incabível a impetração de mandado de segurança.

PELO EXPOSTO, indefiro a petição inicial, a teor do artigo 10, da Lei nº 12.016/09 c/c art. 197, do Regimento Interno do TRT da 1ª Região e, consequentemente, extingo, sem resolução do mérito, a ação mandamental, com base no artigo 485, I, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho (art. 769, da CLT).

Indefiro o benefício da gratuidade de Justiça requerido pelo impetrante, por não preenchidos os requisitos do art. 790, §§3º e 4º, da CLT.

Custas de R$20,00 (vinte reais), pelo impetrante, sobre o valor atribuído à causa, na inicial, de R$1.000,00 (hum mil reais).

O agravante sustenta que não obstante o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, o único meio de impugnar a decisão atacada é a via mandamental; que o ato atacado atenta contra direito líquido e certo do impetrante, causando-lhe prejuízos imediatos e irreparáveis, sendo este o único meio de tutelar tal direito líquido e certo. Alega que o art. 840, §1º, da CLT, estabelece que o pedido dever ser certo, determinado e indicar o seu valor, o que, contudo, não significa que o pedido deva ser líquido, bem como que o valor arbitrado na inicial vincule ou sirva de limite à condenação, na medida em que as demandas trabalhistas, via de regra, afiguram-se em "ações universais", na forma do disposto no art. 324, §1º, I, do NCPC, pois os bens demandados, quase sempre, são múltiplos, de difícil ou mesmo de impossível individuação, e, outrossim, por aplicação do art. 324, §1º, III, do CPC, porquanto a exata determinação econômica do valor da causa depende de documentos que estão em posse do reclamado e aos quais não detém acesso livre e desimpedido. Afirma que o pedido envolve parcelas vencidas e vincendas, não sendo possível apontar o alcance da condenação quanto às parcelas vincendas, haja vista a incerteza do tempo de tramitação do feito.

Como visto, o agravante reitera as alegações de sua inicial e não traz nenhum elemento capaz de afastar as razões pelas quais foi indeferida a petição inicial.

[...]

Erradas que estivessem as considerações acima, é bom lembrar que a interferência no curso da reclamação trabalhista transferiria, em outras palavras, a sua condução para esta Seção, superpondo-se ela à instância recursal própria. Imagine-se, por exemplo, se concedida a segurança e, em decorrência dela, tendo prosseguido o feito no primeiro grau, logrando sentença a qual, sendo objeto de recurso pela parte ré, tenha renovada a questão ora posta sob decisão. A decisão desta Seção, por certo, não vincularia aquela da Turma a quem tocasse o recurso por distribuição e, ao mesmo tempo, suscitaria ambiguidade na condução do processo, já que a parte autora poderia imaginar-se beneficiária de coisa julgada formada nos autos do mandado de segurança. A concessão da segurança, em última análise, poderia terminar por usurpar competência recursal própria das Turmas desta Corte, imprimindo marcha processual que adiante poderia terminar revista, até mesmo pelo Colendo TST que, como observou o douto MPT, adota o mesmo entendimento que este relator. Toda a celeridade alcançada pela parte impetrante, neste caso, revelar-se-ia um retrocesso, em seu prejuízo próprio.

Nega-se provimento ao agravo.

Nas razões do recurso ordinário, o impetrante alega que, em razão do princípio da irrecorribilidade, não caberia qualquer tipo de recurso com efeito imediato contra a decisão.

Argumenta que o ato coator atenta contra direito líquido e certo, causando-lhe prejuízos.

Aduz que o art. 840, §1º, da CLT, estabelece que o pedido deve ser certo, determinado e indicar o seu valor, o que, contudo, não significa que o pedido deva ser líquido.

Examino.

O art. 840, §1º, da CLT, com redação alterada pela Lei 13.467/2017, vigente ao tempo de propositura da petição inicial do Reclamante, prescreve o seguinte:

Art. 840, § 1º. Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).

Cumpre destacar a redação do art. 319, IV e V, do art. 320, do art. 321, do art. 322, caput, §2º, e do art. 324, todos do Código de Processo Civil de 2015, diploma que tem aplicação subsidiária na seara do direito processual do trabalho. Transcrevem-se os dispositivos:

Art. 319. A petição inicial indicará:

(.)

IV - o pedido com as suas especificações;

V - o valor da causa;

Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

Art. 322. O pedido deve ser certo .

(.)

§2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

Art. 324. O pedido deve ser determinado.

A literalidade dos dispositivos retrocitados é no sentido de que a petição inicial deve conter pedido expresso e determinado, com clara indicação do valor de cada demanda. Igualmente, a peça deve ser acompanhada de documentos indispensáveis à propositura da ação. São esses os requisitos da petição inicial, revelando-se manifestamente abusivas e ilegais exigências outras não previstas pelo Legislador.

Diante desse marco legislativo, a jurisprudência da SBDI-2/TST está orientada no sentido de que a exigência no sentido de que a parte reclamante atribua valor a cada um de seus pedidos quando a petição inicial é omissa a esse respeito, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, não desafia a impetração de mandado de segurança. Nessa senda:

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO PROFERIDA EM FASE DE CONHECIMENTO. DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA INICIAL, PARA LIQUIDAÇÃO DOS PEDIDOS, NO PRAZO DE 15 DIAS, SOB PENA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ATO ATACÁVEL MEDIANTE MEIO JUDICIAL PRÓPRIO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 92 DA SBDI-2. O art. 5º da Lei 12.016/2009 dispõe que "não se concederá mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo". A jurisprudência desta Corte (Orientação Jurisprudencial 92 da SBDI-2), assim como a do Supremo Tribunal Federal (Súmula 267), estabelecem que o mandado de segurança é cabível somente nas hipóteses em que o impetrante encontra-se prestes a sofrer prejuízos irreparáveis, desde que não exista recurso próprio com fim específico. No caso concreto, o ato impugnado no mandado de segurança consiste na decisão que determinou que o reclamante procedesse à emenda de sua petição inicial, para indicação dos valores dos pedidos, no prazo de 15 dias, sob pena de extinção do processo, sem resolução do mérito. Ocorre que a pretensão do impetrante de obter o prosseguimento da reclamação trabalhista matriz, independentemente da liquidação prévia , comporta meio próprio para impugnação da referida decisão interlocutória proferida na fase de conhecimento e antes da sentença, mediante o recurso ordinário previsto no art. 895 da CLT. Decisão recorrida que se mantém . Recurso ordinário conhecido e desprovido" (RO-1003176-61.2018.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 19/12/2019).

Contudo, na hipótese em que a parte estabelece, "in status assertionis", valor a cada pleito formulado, revela abusiva e ilegal a recusa do magistrado em processar a reclamação trabalhista, exigindo para tanto a apresentação de memória detalhada de cálculos. Nessa hipótese, o Colegiado vem afastando o óbice da Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-2/TST. Assim já se decidiu:

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR CONSUBSTANCIADO EM DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL PARA JUNTADA DE PLANILHA CONTÁBIL. ÓBICE INJUSTIFICADO AO ACESSO À JUSTIÇA. LEI Nº 13.467, DE 2017. EXIGÊNCIA QUE NÃO CONSTA DO ART. 840, §1º, DA CLT TAMPOUCO DO ART. 319 A 324 DO CPC DE 2015. ATO TERATOLÓGICO. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA OJ Nº 92 DA SBDI-2 DO TST. SEGURANÇA CONCEDIDA. Cuida-se de mandado de segurança impetrado para impugnar despacho de emenda da petição inicial, em fase de conhecimento de reclamação trabalhista. A autoridade reputada coatora, com base no art. 840, §1º, da CLT, exigiu que o Reclamante complementasse a petição inicial com planilha contábil, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito. Na sessão de julgamento ocorrida em 6 de novembro de 2018, por ocasião do julgamento dos RO - 406-27.2017.5.10.0000 e RO - 144-28.2011.5.05.0000, a SBDI-2/TST considerou inaplicável o teor da Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-2/TST sempre que o ato coator se revestir de ilegalidade ou for divergente da jurisprudência pacífica dessa Corte Superior e não houver meio processual para evitar o prejuízo imediato à parte impetrante. No caso em tela, verifica-se que, na petição inicial do processo subjacente, o Reclamante atribuiu valor a cada um dos pedidos. O pedido é certo e determinado, tal como exigem os arts. 840 e 319 a 324 do CPC de 2015. No âmbito da fase processual de conhecimento, não há a impreterível necessidade de que profissionais da contabilidade apurem, de início, o alegado " quantum" devido. Com isso, o condicionamento do exercício do direito de ação à juntada de planilha contábil é medida manifestamente ilegal. Segurança concedida para assegurar o processamento da reclamatória independentemente da juntada de laudo pericial contábil. Recurso ordinário provido " (RO-368-24.2018.5.12.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2019).

A distinção se faz necessária porque, ao exigir planilha contábil, memória de cálculos ou apuração pormenorizada do "quantum" correspondente a cada pedido, na prática, o magistrado impõe ao reclamante um ônus ao exercício do direito de ação que não está previsto em qualquer norma do direito brasileiro. É dizer: não se exige prova pericial contábil pré-constituída para ajuizamento de reclamação trabalhista.

Além de ilegal, a exigência impõe ao reclamante um prejuízo significativo e imediato, que ultrapassa a esfera endoprocessual, porquanto o magistrado está, em última análise, exigindo que o autor providencie, com recursos próprios, a realização de uma perícia contábil como condição para o início da relação processual. E é essa circunstância que justifica o afastamento da compreensão plasmada na Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-2/TST.

Nessa perspectiva, eis a transcrição do conteúdo do ato coator:

Indefiro a apresentação dos cálculos por estimativa, considerando que há completa possibilidade de se apresentar os valores, e atender ao comando legal: há indicação do período do contrato, salário e horário de trabalho. A operação matemática é integralmente possível.

Intime-se o(a) Autor(a) para que liquide cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica, a título de emenda à Inicial, no prazo de 10 dias, sob pena de extinção sem resolução do mérito..

Vindo, inclua-se em pauta.

Ocorre que o impetrante comprova de plano nesse mandamus que, na inicial da reclamação trabalhista, houve formulação de pedidos certos e determinados, indicando-se, inclusive, valores que se entendem devidos (fls. 42 a 46). A inicial, pois, atende estritamente aquilo que é exigido no art. 840, § 1º, da CLT.

Por isso, o indeferimento dos "cálculos por estimativa" e a exigência de que o Reclamante "liquide cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica" como condição para o início da relação processual é medida manifestamente ofensiva ao art. 5º, XXXV, da Constituição da República. Constatada a ilegalidade e a abusividade do ato, a concessão da segurança é medida que se impõe.

Destarte, dou provimento ao recurso ordinário para conceder a segurança e, assim, cassar a decisão proferida na reclamação trabalhista nº 0100736-26.2019.5.01.0028 por meio da qual se exigiu a liquidação de "cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica".

Oficie-se à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e ao Juízo da 28ª Vara do Rio de Janeiro a respeito do teor desta decisão.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, vencido o Ex.mo Ministro Evandro Pereira Valadão Lopes, dar-lhe provimento para conceder a segurança e, assim, cassar a decisão proferida na reclamação trabalhista nº 0100736-26.2019.5.01.0028 por meio da qual se exigiu a liquidação de "cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica". Oficie-se à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e ao Juízo da 28ª Vara do Rio de Janeiro a respeito do teor desta decisão.

Brasília, 26 de outubro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

MARIA HELENA MALLMANN

Ministra Relatora

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