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Acordãos na integra
Ricardo Artur Costa e Trigueiros - TRT/SP
Despesas com uniforme de uso obrigatório devem ser custeadas pelo empregador. Em consonância com o acórdão relatado pelo Desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: “Uniforme. Uso Obrigatório. Fornecimento ou custeio são de responsabilidade da empresa. A exigência de uso de uniforme torna o empregador responsável pela respectiva aquisição: a uma, porque o empregado, na relação de trabalho capitalista, entra apenas com sua força de trabalho, e o empregador, com os meios de produção (bens, instrumental, etc); a duas, porque o custeio regular da indumentária obrigatória importaria redução indireta do salário da obreira, ao arrepio do art. 468 da CLT; a três, porque há sinonímia entre uniforme obrigatório e os instrumentos de trabalho, cujo fornecimento ao obreiro deve ser gratuito. O trabalhador não pode, assim, estar sujeito a pagar do próprio bolso o uniforme exigido em seus misteres. In casu, o valor gasto com uniforme efetivamente transferiu ao autor o custo de indumentária de trabalho de uso obrigatório, repassando-lhe ônus que é da empresa, situação esta que não pode ser tolerada, vez que a teor do art. 2º da CLT o empregador é quem arca com os riscos do negócio, e, por óbvio, também com os custos da atividade econômica por ele encetada. Recurso do reclamante provido, no particular.” (PJe TRT/SP 10021330420165020051) (fonte: Secretaria de Gestão Jurisprudencial, Normativa e Documental)
PROCESSO nº 1002133-04.2016.5.02.0051 (RO)
RECORRENTE: ADRIANO DA SILVA CARLOS
RECORRIDO: MARERRIO COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA - ME
RELATOR: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS
EMENTA: UNIFORME. USO OBRIGATÓRIO. FORNECIMENTO OU CUSTEIO SÃO DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA. A exigência de uso de uniforme torna o empregador responsável pela respectiva aquisição: a uma, porque o empregado, na relação de trabalho capitalista, entra apenas com sua força de trabalho, e o empregador, com os meios de produção (bens, instrumental, etc); a duas, porque o custeio regular da indumentária obrigatória importaria redução indireta do salário da obreira, ao arrepio do art. 468 da CLT; a três, porque há sinonímia entre uniforme obrigatório e os instrumentos de trabalho, cujo fornecimento ao obreiro deve ser gratuito. O trabalhador não pode, assim, estar sujeito a pagar do próprio bolso o uniforme exigido em seus misteres. In casu, o valor gasto com uniforme efetivamente transferiu ao autor o custo de indumentária de trabalho de uso obrigatório, repassando-lhe ônus que é da empresa, situação esta que não pode ser tolerada, vez que a teor do art. 2º da CLT o empregador é quem arca com os riscos do negócio, e, por óbvio, também com os custos da atividade econômica por ele encetada. Recurso do reclamante provido, no particular. (TRT-02-1002133-04.2016.5.02.0051, Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DEJT, 25.04.19).
Contra a respeitável sentença de ID. 5317d76, que julgou procedente em parte a pretensão inicial, complementada pela decisão de embargos declaratórios de ID. c1694fc, recorre ordinariamente o reclamante, por meio das razões de ID. 822e7d1, pretendendo a reforma do julgado quanto integração das gorjetas ao salário, horas extras, vale transporte e despesas com uniforme.
Contrarrazões de ID. 614a16e.
É o relatório.
V O T O
Conheço do recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
Ab initio, cumpre consignar que a recém aprovada reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), a despeito de promover modificação substancial no ordenamento jurídico pátrio, não se aplica ao caso em análise, haja vista que a referida alteração legislativa, por envolver aspectos de direito material e processual, deve ser interpretada à luz dos fundamentos do conflito de leis no tempo. Digno de nota, assim, decisão do C. STF, com voto do E. Ministro Moreira Alves, no sentido de que "Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI da CF se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF. Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido"(JSTF - Lex 168/70).
Ora, não se pode olvidar que as normas processuais que têm o condão de alterar a prestação jurisdicional, sem gerar prejuízo aos litigantes, possuem efeito imediato e geral, observando-se a intangibilidade do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Nada obstante, tenho que as normas de direito material, em respeito aos princípios norteadores do direito do trabalho e do devido processo legal, somente poderão ser aplicadas aos casos posteriores ao início do vigor da referida alteração legislativa, sob pena de violação da segurança jurídica.
Neste contexto, a fim de que se evitem surpresas prejudiciais aos litigantes, deve-se considerar a realidade normativa existente no momento do ajuizamento da ação (23/11/2016), de modo que restam inaplicáveis as alterações promovidas pela referida Lei 13.467/2017.
DA INTEGRAÇÃO DAS GORJETAS À REMUNERAÇÃO OBREIRA
Inconformado com a decisão de piso, pleiteia o reclamante a integração das gorjetas, que sustenta ter recebido de forma clandestina, à sua remuneração.
A irresignação obreira merece acolhida, senão vejamos.
Com efeito, tem-se que as Convenções Coletivas de Trabalho juntadas à prefacial noticiam o estabelecimento de dois regimes para as gorjetas, sendo facultado ao empregador optar por um deles: (1) um regime atinente à cobrança de gorjetas obrigatórias, determinando que delas, 65% sejam destinados ao pagamento dos empregados e 35% destinados ao pagamento de encargos; (2) outro regime para os estabelecimentos que adotam sistema de gorjetas espontâneas, em que os valores fixados numa "Tabela de Estimativa de Gorjetas" não serão pagos aos empregados, mas sim, utilizados para o cálculo dos recolhimentos previdenciários e de férias, décimo terceiro salário e FGTS.
A análise dos elementos probantes disponíveis leva à conclusão de que a empregadora não se valeu de nenhuma das duas modalidades previstas na Convenção Coletiva de Trabalho.
Da análise da prova oral colhida nos autos, constata-se que, a despeito de não haver cobrança obrigatória das gorjetas, o sistema adotado pela ré evidencia que tais valores não eram pagos espontaneamente, por iniciativa dos clientes.
Nesse sentido, o preposto da reclamada afirmou que "(...) o atendente pergunta ao cliente se pode acrescentar os 10% (...)" (ID. a87e53c). Ademais, a testemunha ouvida a rogo da ré informou que "os caixas anotam os valores em planilha e fazem a divisão na semana" (ID. a87e53c).
Claro está, do exposto, que a reclamada incluía nas notas de serviço a taxa de 10%, ainda que com a aquiescência dos clientes, sendo que, além disso, promovia a efetiva arrecadação das gorjetas, de modo que resta patente: (1) que a reclamada tinha controle das gorjetas, pois eram por ela arrecadadas; (2) que a reclamada não optou por qualquer dos regimes estabelecidos na norma coletiva, pois adotou um sistema híbrido não condizente com quaisquer das hipóteses convencionadas (espontânea ou obrigatória), sendo aplicável, portanto, a regra legal insculpida no artigo 457 da CLT:
Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (Redação dada pela Lei n.º 1.999, de 01-10-53, DOU 07-10-53)
(...)
§ 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados. (Parágrafo incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28-02-67, DOU 28-02-67)
Referido dispositivo foi assim interpretado pelo C. TST:
Súmula 354 - Gorjetas. Natureza jurídica. Repercussões (Revisão da Súmula nº 290 - Res. 71/1997, DJ 30.05.1997) As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.
Em relação ao valor das gorjetas, o reclamante aduziu, na prefacial, que percebia cerca de R$ 600,00 por semana a título de taxa de serviço. A demandada, em defesa, se limitou a negar que o autor percebia os mencionados valores, sem, contudo, se insurgir quanto ao montante indicado. Ademais, a testemunha ouvida a rogo do reclamante corroborou a tese obreira, nos seguintes termos: "que costumava receber R$ 600,00 por semana, através de depósito na conta corrente; que o mesmo ocorria com o reclamante" (ID. a87e53c).
Desse modo, impõe-se integrar à remuneração obreira o valor percebido a título de gorjeta, ora fixado em R$ 2.400,00 mensais, com consequente deferimento dos reflexos em FGTS com 40%, férias com 1/3 e gratificação natalina.
Reformo.
DAS HORAS EXTRAS
Sem razão.
É cediço, nos termos dos artigos 818 da CLT e 373, I e II, do NCPC, que incumbe ao autor o ônus da prova dos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Havendo sistema de cartões de ponto, inverte-se este ônus, que passa a dirigir-se ao empregador (artigo 74, § 2º c/c 845, ambos da CLT), que, in casu, se desincumbiu satisfatoriamente, bem como retornando o ônus da prova novamente para o autor.
Em depoimento, a testemunha ouvida a rogo do autor informou que "(...) às vezes trabalhava no mesmo horário que o reclamante; que os horários eram intercalados entre abre e fecha; que registrava os horários através de biometria, corretamente; que assinava os espelhos, mas não sabe se estavam corretos;"(ID. a87e53c).
O depoimento acima transcrito não se mostra hábil a comprovar a tese obreira, pois a testemunha afirmou que marcava corretamente a jornada de trabalho, ressaltando apenas não saber se os horários estavam corretos, pelo que inservível para invalidar os cartões anexados pela ré.
Logo, impõe-se que os cartões de ponto colacionados aos autos são válidos e, portanto, devem ser considerados verdadeiros os horários nele consignados. Assim, caberia ao reclamante, apontar, ainda que por amostragem, a existência de diferenças de horas extras, encargo do qual não se desvencilhou.
Mantenho.
DO VALE TRANSPORTE
Com razão.
Na exordial, o reclamante alegou que "(...) utilizava integração, no valor de R$ 5,92 em ambos os trajetos, gastando, portanto, o valor diário de R$ 11,84, ocorre que a reclamada lhe concedia apenas o valor diário de R$ 9,52 (uma integração e uma passagem simples)."(ID. 83ee3e3).
A reclamada, em contestação, aduz que "(...) contrário do que afirma o Reclamante, o mesmo na sua readmissão em 01.07.2014, assinou documento desistindo da utilização de vale transporte, conforme documento anexo, sendo-lhe pago somente quando este necessitava e pedia a Reclamada."(ID. 35c4288).
Compulsando os autos, constata-se que o reclamante, quando da formalização do contrato de trabalho, residia no bairro Jardim Redil, zona leste de São Paulo, e o estabelecimento da reclamada estava localizado na rua Itaguaba, zona central da capital (ID. 30bbc2d).
Não é crível que o autor, laborando tão distante de sua residência, declinasse da concessão do vale transporte, mormente quando se considera o valor do salário por ele percebido. Tanto não abdicou da verba que pretende o pagamento do benefício sonegado pela ré com a presente ação.
Ademais, a própria reclamada anexou aos autos comprovantes do fornecimento de vale transporte (dois ônibus e um metrô por dia de trabalho) durante toda a contratualidade, situação que infirma a tese de que o autor dispensou o recebimento do vale transporte.
Nesse contexto, a inteligência da Súmula 460 do C. TST, in verbis: "Vale-transporte. Ônus da prova. (Inserida pela Res. 209/2016 - DeJT 01/06/2016) É do empregador o ônus de comprovar que o empregado não satisfaz os requisitos indispensáveis para a concessão do vale-transporte ou não pretenda fazer uso do benefício.". Daí porque é presumido o interesse do trabalhador em desfrutar do benefício do vale transporte notadamente quando a prova é indicativa de que reside em ponto distante do local de trabalho.
Em consulta ao sítio eletrônico que fornece informações sobre itinerários e meios de transporte[1], constata-se que o autor, no deslocamento casa trabalho, necessita de uma integração (ônibus e metrô), tanto da ida quanto no retorno, conforme indicado na prefacial.
Portanto, insubsiste o argumento da recorrida para o indeferimento da pretensão, in casu, por se tratar de subsídio pecuniário manifestamente necessário ao reclamante, e cuja sonegação produz redução indireta do ganho do obreiro.
Assim, reformo a r. sentença, para incluir na condenação o pagamento de diferenças de vale transporte, nos termos da exordial, conforme se apurar em regular liquidação.
DAS DESPESAS PELOS GASTOS COM UNIFORME
Alega o recorrente que era obrigado a laborar usando padrão de vestimenta determinado pela reclamada. Relatou não ter recebido o uniforme completo, de modo que a calça social e os sapatos não eram reembolsados ou subsidiados pela ré.
Razão lhe assiste.
Alegou a reclamada, em depoimento pessoal, que "o reclamante recebia várias camisetas e avental; que não era exigido padrão de calça e sapato (...)" (ID. a87e53c). No entanto, a testemunha ouvida a rogo da demandada relatou que "era exigido o uso de calça e sapato preto; que a reclamada fornecia camiseta e o avental"(ID. a87e53c).
Nesse contexto, cumpre salientar que a exigência de uso de uniforme torna o empregador responsável pela respectiva aquisição: a uma, porque o empregado, na relação de trabalho capitalista, entra apenas com sua força de trabalho; a duas, porque o custeio regular da indumentária obrigatória importaria redução indireta do salário do obreiro, ao arrepio do artigo 468 da CLT; a três, porque há sinonímia entre uniforme obrigatório e os instrumentos de trabalhos, cujo fornecimento deve ser gratuito ao obreiro.
O trabalhador não pode, assim, estar sujeito a pagar do próprio bolso o uniforme de que se utiliza em seus misteres. In casu, o valor gasto com uniforme efetivamente transferiu ao reclamante o custo de indumentária de trabalho de uso obrigatório, repassando-lhe ônus que é da empresa, situação esta que não pode ser tolerada, vez que a teor do artigo 2º da CLT o empregador é quem arca com os riscos do negócio, e, por óbvio, também com os custos da atividade econômica por ele encetada.
Ressalte-se ainda que os instrumentos normativos da categoria do autor preveem a obrigatoriedade do fornecimento das vestimentas por parte da reclamada quando estas forem de uso obrigatório, conforme transcrição que segue:
"CLÁUSULA 63 - ROUPAS DE TRABALHO. Serão fornecidos gratuitamente uniformes, fardamentos e equipamentos individuais de trabalho aos empregados, sempre que exigidos pelo empregador ou obrigatório por lei." (ID. 4ee1780).
Neste contexto, considerando que a prova oral colhida nos autos confirmou que a reclamada exigia uso de sapato e da calça social, reformo para condenar a ré a indenizar o autor quanto aos gastos para a aquisição desses itens (sapatos pretos e calças sociais), nos valores indicados na inicial.
Reformo.
[1] Disponível em: https://www.google.com.br/maps/dir/R.+Jos%C3%A9+Bauman,+151+-+Jardim+Redil,+S%C3%A3o+Paulo+-+SP,+08215-255/Rua+Itaguaba,+268+-+Santa+Cecilia,+S%C3%A3o+Paulo+-+SP/@-23.5379171,-46.6275747,12z/data=!4m15!4m14!1m5!1m1!1s0x94ce66af8bd5c9d1:0x34907306000062ee!2m2!1d-46.4474445!2d-23.5307212!1m5!1m1!1s0x94ce5823b1711acf:0x223dd73007009184!2m2!1d-46.6642536!2d-23.5420852!3e3!5i2?hl=pt-BR
Do exposto,
ACORDAM os Magistrados da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em, por unanimidade de votos: CONHECER do recurso ordinário interposto e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo para condenando a reclamada: a) integrar à remuneração obreira o valor percebido a título de gorjeta, ora fixado em R$ 2.400,00 mensais, com consequente deferimento dos reflexos em FGTS com 40%, férias com 1/3 e gratificação natalina; b) incluir na condenação o pagamento de diferenças de vale transporte, nos termos da exordial, conforme se apurar em regular liquidação; c) indenizar o autor quanto aos gastos para a aquisição de uniforme, nos valores indicados na inicial, tudo na forma da fundamentação constante do voto do Relator.
Presidiu a sessão o Excelentíssimo Desembargador Presidente Ricardo Artur Costa e Trigueiros.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Desembargadores Ricardo Artur Costa e Trigueiros, Ivani Contini Bramante e Maria Isabel Cueva Moraes.
Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros.
Presente o(a) representante do Ministério Público.
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