Data da publicação:
Acordão - TRT
Rafael Edson Pugliese Ribeiro - TRT/SP
Auxiliar de limpeza de supermercado que curtiu comentário desfavorável à empresa em rede social tem justa causa revertida. Proc. 1000170-05.2021.5.02.0303
TRT-ROT-1000170-05.2021.5.02.0303
Natureza: RECURSO ORDINÁRIO
Recorrente: Vanessa Costa da Silva
Recorrido: Primeiro Preço Supermercados Eireli - ME
Origem: 3ª Vara do Trabalho de Guarujá
Juiz Prolator da Sentença: Dr. Marcos Vinicius de Paula Santos
/REPR/YSA/#/2021-10-08
EMENTA
Término do contrato. Justa causa. Não configuração. A falta grave ensejadora da justa causa é aquela que inviabiliza a continuidade do contrato de trabalho, como a atitude do empregado que tem intenção deliberada de prejudicar o empregador, a sua honra ou boa fama. O ato de "curtir" comentário no Facebook em publicação desfavorável à empresa não evidencia essa intencionalidade e não autoriza a aplicação da penalidade máxima, sobretudo quando não há provas de que a autora tenha sofrido qualquer outra sanção durante o contrato de trabalho.
RELATÓRIO
Contra a r. sentença (fls. 227/235) que julgou procedente em parte a ação, recorre a autora (fls. 245/262) alegando que não cometeu ato lesivo à honra do empregador; que a penalidade aplicada é desproporcional; que é devida a multa de 40% do FGTS; que a função de auxiliar de limpeza é incompatível com a de atendente e/ou repositora; que o exercício de atividades paralelas foi constatado pelo perito que avaliou a insalubridade; que é devido o adicional por acúmulo de função; que faz jus à indenização substitutiva do seguro-desemprego como consequência da reversão da justa causa; que nunca recebeu advertências ou suspensões; que houve imputação injusta de falta grave; que há dano moral indenizável; que a recorrida agiu de má-fé para prejudicar a autora e se furtar do cumprimento das verbas trabalhistas; que deve ser suspensa a exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência. Contrarrazões à fl. 265.
V O T O:
1. Apelo aviado a tempo e modo. Conheço-o.
MÉRITO
2. Término do contrato. Justa causa.
2.1. A autora foi contratada em 01.08.2019 e dispensada por justa causa em 27.01.20201. A defesa alega (fl. 82) que a reclamante praticou ato lesivo à honra do empregador (art. 482, "k", CLT) ao manifestar seu apoio em publicação depreciativa à empresa, na rede social Facebook.
2.2. Conforme ata notarial (fls. 91/95) anexada pela ré, em 25.01.2021, a página do jornal "Grupo Tribuna" publicou no Facebook uma notícia com a seguinte manchete: "Supermercado em Guarujá é multado em R$ 12 mil por vender alimentos fora da validade". Na legenda da publicação, o jornal acrescentou: "ECA! Agentes de Vigilância estiveram no estabelecimento e encontraram 141 kg de produto vencido". A publicação teve 135 comentários e a autora "curtiu" dois deles: no primeiro está escrito "Bem-vindos ao primeiro preço kkkkkkkkk"; no segundo, há apenas a menção (marcação) do nome da própria autora.
2.3. A publicação foi feita por veículo de mídia em página própria, e não no perfil da autora. Embora o conteúdo da postagem seja negativo à imagem da empresa, não houve ação da reclamante para impulsioná-la, como aconteceria se tivesse "compartilhado" em seu próprio perfil ou mesmo comentado a publicação. Pelo contrário, a própria reclamante demonstrou (fl. 249) que "reagiu" à publicação clicando no "emoji" que indica surpresa, enquanto o Facebook disponibiliza outras formas de reação, como gargalhada, raiva e "curtida".
2.4. A ação da autora se limitou a "curtir" dois comentários feitos por terceiros. Quando um usuário "curte" um comentário no Facebook, a rede social apenas indica o número "curtidas", sendo necessário clicar nesse número para visualizar quais foram os usuários que "curtiram" a mensagem. Isso significa que a manifestação da autora passaria despercebida pela maioria dos usuários, sem grandes repercussões na mídia social.
2.5. O comentário reflete o pensamento daquele que o escreve e o ato de "curti-lo" não significa, necessariamente, concordância integral com aquilo que está escrito. Mesmo que uma das mensagens "curtidas" tenha, de fato, tom jocoso ("Bem-vindos ao primeiro preço kkkkkkkkk"), a falta grave ensejadora da justa causa é aquela que inviabiliza a continuidade do contrato de trabalho, como a atitude do empregado que tem intenção deliberada de prejudicar o empregador, a sua honra ou boa fama. Os fatos narrados na defesa não evidenciam essa intencionalidade e não autorizam a aplicação da penalidade máxima, sobretudo quando não há provas de que a autora tenha sofrido qualquer outra sanção durante o contrato de trabalho, que durou quase um ano e meio.
2.6. A punição aplicada mostrou-se muito severa, não razoável, desproporcional, de modo que extrapola o caráter educativo que deve nortear esse tipo de punição. Por conseguinte, reputo nula (art. 187, do Código Civil) a dispensa por justa causa, razão pela qual a converto em resilição imotivada. Em consequência, são devidos o aviso prévio, 13º salário proporcional, férias+1/3 proporcionais e FGTS+40%, bem como a obrigação de entregar as guias para levantamento do FGTS e habilitação para recebimento do seguro-desemprego.
3. Danos morais.
3.1. Conquanto a justa causa tenha sido afastada, não há provas de que a autora tenha sido exposta a situação vexatória, humilhante ou sofrido violação a direitos da personalidade. Não se pode presumir que a dispensa por justa causa tenha causado sofrimento considerável a ponto de justificar a responsabilização do empregador. A resolução contratual é uma das hipóteses legais para o término do contrato assegurada ao empregador e não há demonstração de que a ré extrapolou o seu poder disciplinar ao dispensar a autora.
4. Litigância de má-fé.
4.1. A autora fundamenta (fl. 260) seu pedido de aplicação de multa por litigância de má-fé na alegação de que a reclamada se aproveitou de sua manifestação em rede social para dispensá-la injustamente e se furtar do pagamento das verbas trabalhistas. Todavia, a litigância de má-fé pede a configuração do caráter intencional de atentar contra a boa-fé e lealdade processual. Os fatos imputados sequer ocorreram no curso do processo. Não demonstrada nenhuma das hipóteses do artigo 793-B[1] da CLT, não há falar em condenação por litigância de má-fé.
[1]Art. 793-B, CLT. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
5. Acúmulo de função.
5.1. A autora sustentou na inicial (fls. 15/23) que, embora contratada como "auxiliar de limpeza", exercia também as atividades de "padeira", "atendente" e "repositora". Postula, em razão dessa circunstância, o pagamento de uma indenização correspondente ao acréscimo de trabalho. No entanto, o exercício dessas atividades não se revela incompatível com a condição pessoal da autora (CLT, art. 456, parágrafo único[1]), mas integra as atribuições inerentes ao conjunto de tarefas a que se obrigou em decorrência da contratação. Inexiste previsão convencional ou legal a amparar a sua pretensão. O exercício de vários misteres não caracteriza acúmulo de função, mas se situa no sentido da máxima colaboração que o empregado deve ao empregador. Não é devido o acréscimo salarial.
[1] Art. 456. Parágrafo único - À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
6. Honorários advocatícios de sucumbência.
6.1. Em razão da sucumbência recíproca, a r. sentença condenou ambas as partes ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais e, em relação à verba devida pela autora, constou que "só haverá de se falar em suspensão da exigibilidade dos honorários sucumbenciais caso os créditos da autora, inclusive os eventualmente existentes em outros processos, não forem capazes de suportar tal despesa"(fl. 233).
6.2. Contudo, O § 4º, do art. 791-A, da CLT, deve ser interpretado de forma a garantir a efetividade dos preceitos constitucionais do acesso à justiça e da assistência judiciária gratuita. Nesse contexto, "créditos capazes de suportar a despesa" são aqueles que proporcionam à parte a alteração da condição jurídica de necessitado, deixando de existir a justificativa para a assistência judiciária.
6.3. A autora é beneficiária da justiça gratuita (última remuneração: R$ 1.544,73, fl. 96), e a condenação deferiu, essencialmente, o pagamento de verbas rescisórias, FGTS e adicional de insalubridade. A reclamante, mesmo recebendo as verbas deste processo, continuará sendo beneficiária da justiça gratuita. Dessa forma, a cobrança somente poderá ser feita se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, ficar demonstrado que a autora não mais se enquadra na situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se a obrigação após tal prazo.
Conclusão do recurso
Pelo exposto, dou parcial provimento ao Recurso Ordinário, para reconhecer a dispensa imotivada e acrescer à condenação o pagamento do aviso prévio, 13º salário proporcional, férias+1/3 proporcionais, FGTS+40%, a obrigação de entregar as guias para levantamento do FGTS e habilitação para recebimento do seguro-desemprego, bem como para estabelecer a condição suspensiva de exigibilidade dos honorários advocatícios sucumbenciais pelo prazo de 2 anos, após os quais a obrigação será extinta. Arbitro o valor de R$ 3.000,00 pelo acréscimo condenatório, importando em custas adicionais de R$ 60,00, a cargo da ré.
Acórdão
Vistos, Relatados e Discutidos os presentes autos, ACORDAM os Desembargadores da 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos termos da Certidão de Julgamento que a este integra, em, POR UNANIMIDADE DE VOTOS: DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso Ordinário, para reconhecer a dispensa imotivada e acrescer à condenação o pagamento do aviso prévio, 13º salário proporcional, férias+1/3 proporcionais, FGTS+40%, a obrigação de entregar as guias para levantamento do FGTS e habilitação para recebimento do seguro-desemprego, bem como para estabelecer a condição suspensiva de exigibilidade dos honorários advocatícios sucumbenciais pelo prazo de 2 anos, após os quais a obrigação será extinta. Arbitrado o valor de R$ 3.000,00 pelo acréscimo condenatório, importando em custas adicionais de R$ 60,00, a cargo da ré.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador ROBERTO BARROS DA SILVA.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores Magistrados Federais do Trabalho RAFAEL EDSON PUGLIESE RIBEIRO (Desembargador Relator), PAULO JOSÉ RIBEIRO MOTA (Desembargador Revisor) e MARIA APARECIDA NORCE FURTADO (Terceira Magistrada Votante).
Presente o(a) ilustre representante do Ministério Público do Trabalho.
DR. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO
Desembargador Relator - TRT-2ª Região
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