TST - INFORMATIVOS 2018 2018 175 - 02 a 09 de abril

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Augusto Cesar Leite de Carvalho - TST



02 -Ação civil pública. Multa coercitiva. Astreinte. Limitação temporal. Impossibilidade. A SBDI-I, por maioria, conheceu de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deu lhes provimento para restabelecer a sentença proferida em ação civil pública na parte em que fixou astreinte sem a limitação temporal de sessenta dias, caso haja descumprimento da obrigação de fazer reconhecida em juízo. A cominação de multa coercitiva pelo descumprimento da obrigação de fazer tem como propósito compelir o devedor a realizar a prestação devida, configurando-se meio indireto de execução



Resumo do voto.

Ação civil pública. Multa coercitiva. Astreinte. Limitação temporal. Impossibilidade. A SBDI-I, por maioria, conheceu de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deulhes provimento para restabelecer a sentença proferida em ação civil pública na parte em que fixou astreinte sem a limitação temporal de sessenta dias, caso haja descumprimento da obrigação de fazer reconhecida em juízo. A cominação de multa coercitiva pelo descumprimento da obrigação de fazer tem como propósito compelir o devedor a realizar a prestação devida, configurando-se meio indireto de execução. Nos termos do art. 537 do CPC de 2015, a astreinte pode ser concedida tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução, sendo possível, também, aumentar-lhe ou reduzir-lhe o valor, a qualquer momento, desde que necessário à efetividade da determinação judicial. Assim, não se pode admitir que o juiz da fase de conhecimento fixe um limite temporal para a aplicação da multa coercitiva, sob pena de retirar do Juízo da execução, responsável pelo cumprimento do julgado, instrumento imprescindível à efetividade da determinação judicial, e de esvaziamento do disposto no § 4º do art. 537 do CPC de 2015, no que determina a incidência da multa enquanto não cumprida a decisão que a tiver cominado. No caso concreto, a sentença julgou parcialmente procedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra o Município de Bodoquena/MS para estabelecer a obrigação de fazer, de natureza continuada, consistente no fornecimento de Equipamento de Proteção Individual – EPI, treinamento adequado, água potável e veículo apropriado à coleta de lixo aos trabalhadores do serviço público de limpeza urbana municipal, sob pena de multa diária em caso de descumprimento. Todavia, o acórdão do Tribunal Regional, mantido pelo acórdão turmário, julgou parcialmente procedente o pedido para reduzir o valor da multa aplicada e limitá-la ao período de sessenta dias. Vencidos os Ministros Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Brito Pereira, Márcio Eurico Vitral Amaro e Breno Medeiros. 

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MULTA. ASTREINTE. LIMITAÇÃO TEMPORAL AFASTADA. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho com pedido para que o Município de Bodoquena – MS cumpra a obrigação de fazer de natureza continuada, consistente no fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, treinamento adequado e água potável aos empregados, bem como fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo aos trabalhadores que executam atividades no serviço público de limpeza urbana do Município réu, sob pena de cominação de multa (astreinte). A considerar que o real objetivo da astreinte é a garantia da efetividade da determinação inserida na decisão judicial, entende-se que, havendo prestação de obrigação de fazer deferida em juízo para ser cumprida pelo réu, a fixação da astreinte como meio hábil para alcançar o atendimento da decisão judicial é necessária e não deve ser limitada no tempo, especialmente quando a obrigação decorre de prestação de caráter sucessivo, como se verifica em relação às obrigações fixadas no presente feito, em que mesmo havendo registro de ter o Município réu cumprido as obrigações antes mesmo da prolação da sentença, consistente no treinamento adequado dos trabalhadores, concessão de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, bem como fornecimento de água potável e de veículo adequado à coleta de lixo aos trabalhadores que executam atividades no serviço público de limpeza urbana do Município réu, certo é que essas obrigações se renovam de forma sucessiva no tempo. Assim, em atenção ao mais novo artigo 537 do CPC, que teve acréscimo do § 4º para tornar clara a finalidade da astreinte, e ao princípio da efetividade do processo, que norteia o instituto da astreinte como instrumento que visa propiciar o cumprimento da obrigação in natura, ainda que no curso da demanda tenha ocorrido o cumprimento espontâneo da obrigação de fazer determinada em juízo, deve ser lembrado que o dever imposto ao réu diz respeito a ato que se prolonga no tempo, permanecendo, pois, a necessidade de previsão de incidência da multa na hipótese de novo descumprimento da mesma obrigação de fazer. Acrescente-se que, consoante consignado no precedente originário de Turma deste Tribunal que fundamenta o conhecimento dos embargos que ora se examina, a "Lei n° 7.347/85 não prevê a aplicação da penalidade somente por um determinado tempo, mas de forma contrária, preconiza que o caráter da multa é preventivo, buscando-se evitar danos futuros, de modo que a limitação não atende ao caráter preventivo e educacional que deve possuir a sentença proferida em uma ação civil pública." Recurso de embargos conhecido e provido.  (TST-E-ED-RR-747-09.2013.5.24.0031, SBDI-I, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 10.08.2018).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-747-09.2013.5.24.0031, em que é Embargante MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO e Embargado MUNICÍPIO DE BODOQUENA.

A 5ª Turma desta Corte não conheceu do recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho da 24ª Região, o qual versou sobre o tema "multa diária do artigo 461, §§ 4º e 6º, do CPC – possibilidade de redução do valor e limitação do prazo de aplicação", ao entendimento de que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, a aplicação da multa diária e sua modificação do valor ou periodicidade são faculdades conferidas ao julgador, nos termos do artigo 461, §§ 4º e 6º, do CPC/1973, não havendo como entender violados os artigos 1º, caput, 11 da Lei 7.347/1985 e 461, § 4, do CPC/1973. (acórdão - fls. 168-171)

Os embargos de declaração opostos pelo MPT (fls. 175-183) foram desprovidos mediante acórdão de fls. 188-191, reiterando estar o acórdão do Tribunal Regional em conformidade com o disposto no artigo 461, §§ 4º e 6º, do CPC/1973, o qual possibilita ao juiz modificar inclusive de ofício, o valor ou a periodicidade da multa.

O Ministério Público do Trabalho interpõe recurso de embargos às fls. 195-225. Sob a alegação de divergência jurisprudencial, requer, em síntese, seja excluída a limitação temporal de 60 dias imposta pelo Tribunal Regional e não modificada no acórdão turmário, em relação à multa inibitória de descumprimento de obrigação de fazer de natureza continuada, sob pena de tornar ineficaz a condenação.

Juízo de admissibilidade do recurso de embargos efetivado na forma do disposto na Instrução Normativa nº 35/2012, no sentido de reconhecer demonstrada a divergência jurisprudencial (fls. 304-305).

Regularmente intimado (fl. 306), o Município reclamado não apresentou impugnação aos embargos.

Desnecessária a remessa dos autos à Procuradoria Geral do Trabalho, nos termos do artigo 95, § 2º, I, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1 - PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de embargos, porquanto tempestivo (fls. 194, 195 e 227) e subscrito por Subprocuradora-Geral do Trabalho, em exercício, sendo desnecessário o preparo.

Em atenção ao Ato TST 725/SEGJUD.GP, de 30 de outubro de 2012, registre-se que os números de inscrição das partes no cadastro de pessoas físicas e jurídicas da Receita Federal do Brasil já constam dos autos.

Convém destacar que o recurso de embargos está regido pela Lei 13.015/2014, porquanto interposto contra acórdão publicado em 26.2.2016, após 22.9.2014, data da vigência da referida norma.

Cumpre, portanto, examinar os pressupostos específicos do recurso de embargos, o qual se rege pela Lei 13.015/2014.

2 - PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MULTA. ARTIGO 461, §§ 4º E 6º, DO CPC/1973. LIMITAÇÃO DO PRAZO DE APLICAÇÃO.

Conhecimento

A 5ª Turma desta Corte não conheceu do recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho da 24ª Região, ao entendimento de que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, a aplicação da multa diária e sua modificação do valor ou periodicidade são faculdades conferidas ao julgador, nos termos do artigo 461, §§ 4º e 6º, do CPC/1973, não havendo como entender violados os artigos 1º, caput, 11 da Lei 7.347/1985 e 461, § 4, do CPC/1973.

Nesse contexto, manteve o acórdão do Tribunal Regional que reduziu as "multas fixadas para o importe de a) R$ 200,00, por dia e por trabalhador prejudicado, limitado a 60 (sessenta) dias, pelo não cumprimento dos itens ‘A’, ‘B’ e ‘D’ (fornecer EPI, treinamento adequado e água potável e; b) R$ 10.000,00 pelo não cumprimento do item ‘C’, fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo." (fl. 170)

Eis os fundamentos na íntegra que constam às fls. 169-171:

"(...)

1.1 - MULTA DIÁRIA DO ARTIGO 461, §§ 4º e 6º, DO CPC. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO VALOR E LIMITAÇÃO DO PRAZO DE APLICAÇÃO

O Tribunal Regional assim decidiu:

‘2.1 - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASTREINTES

A r. decisão julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face do Município de Bodoquena-MS, condenando-o ao pagamento de multa astreinte, em caso de descumprimento, no importe de R$ 1.000,00 por trabalhador prejudicado, reversível a favor do FAT, pelo não fornecimento de EPI, treinamento adequado e água potável e, ainda, R$ 20.000,00 pelo não fornecimento de veículo adequado para a coleta de lixo.

Irresignado, aduz o réu que cumpriu todas as obrigações assinaladas, tanto que o próprio autor o reconheceu, devendo ser reformado o julgado por perda de objeto. Sustenta, ainda, que no hipotético caso de descumprimento da obrigação a astreinte deve ser afastada, pois não há nos autos nenhum elemento a ensejar tal imposição, ao revés, as provas coligidas demonstram que a todo momento buscou respeitar os limites legais impostos pela administração pública, cumprindo as obrigações impostas pelo parquet. Busca, sucessivamente, a redução da astreinte.

Aprecio.

Em primeiro eito cumpre registrar que a presente ação civil pública versa sobre medidas preventivas de segurança e de saúde que devem ser observadas pelo Município de Bodoquena-MS em relação aos seus coletores de lixo, razão pela qual, constato que se trata de obrigação de fazer continuada, a qual, por si só, justifica a concessão de tutela inibitória voltada para o futuro, direcionando-se a inibir a repetição de irregularidades cometidas.

Nesse contexto, a hipótese dos autos enquadra-se naquela em que as irregularidades constatadas, a despeito de terem sido sanadas, ainda ensejam a possibilidade real de reincidência do mesmo infrator nos ilícitos outrora cometidos, mormente em razão de se tratar de obrigação de fornecimento de treinamento e de materiais, inclusive, provisórios - EPIs e água potável.

Assim, a multa atrelada à determinação de cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou dar deve ter o condão de emprestar efetividade à ordem judicial, inibindo a ré de prosseguir na inobservância da lei.

Relativamente ao quantum fixado, esse não pode ser irrisório e, tampouco, desmedido, razão pela qual, estribando no § 6º do art. 461 do CPC, o qual dispõe que o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva e, em observância ao princípio da proporcionalidade, uma vez que o valor da cominação imposta deve guardar proporcionalidade com a infração e seus efeitos, reduzo as multas fixadas para o importe de a) R$ 200,00, por dia e por trabalhador prejudicado, limitado a 60 (sessenta) dias, pelo não cumprimento dos itens ‘A’, ‘B’ e ‘D’ (fornecer EPI, treinamento adequado e água potável e; b) R$ 10.000,00 pelo não cumprimento do item ‘C’, fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo.

Fixo à condenação o valor de R$ 15.000,00.

Custas processuais no importe de R$ 300,00’ (g.n.)

O recorrente alega que a astreinte tem natureza coercitiva, com o objetivo específico de compelir o réu ao cumprimento de determinação judicial, razão pela qual não se há falar em limitação, menos ainda temporal. Requer, uma vez afastada a limitação temporal das astreintes, o restabelecimento das astreintes fixadas na r. sentença de primeiro grau, no importe de R$ 1.000,00 por trabalhador prejudicado, reversível a favor do FAT, pelo não fornecimento de EPI, treinamento adequado e água potável e, ainda, R$ 20.000,00 pelo não fornecimento de veículo adequado para a coleta de lixo. Lastreia o apelo em violação aos arts. 1º, caput,  11 da Lei 7.347/1985 e 461, § 4º, do CPC. Traz aresto para confronto de teses.

Analiso.

A multa diária trata-se de uma faculdade conferida ao julgador com o intuito de compelir a reclamada ao cumprimento de determinada obrigação. Cabe transcrever o teor do art. 461, §§ 4º e 6º, do CPC:

‘Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.  

§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito

§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)’

Verifico que, ao contrário do alegado pelo recorrente, os §§ 4º e 6º do art. 461 do CPC dispõem, expressamente, sobre a possibilidade de o Juiz, de ofício, modificar o valor ou periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, conforme entendeu o TRT, razão pela qual reduziu o valor e limitou a sua incidência a 60 dias.

Nesse sentido, o seguinte precedente:

‘(...) MULTA DIÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REDUÇÃO DO VALOR. LAPSO TEMPORAL PARA O SEU CUMPRIMENTO. A multa diária constitui-se em uma espécie de sanção pecuniária imposta pelo magistrado com o claro intuito de compelir ao cumprimento de determinada obrigação, nos termos do artigo 461, § 4º, do CPC. Tratando-se de uma faculdade conferida ao julgador não há se cogitar em violação ao disposto nos artigos 461 do CPC e 884 do Código Civil. Recurso de revista não conhecido.’ (RR - 196000-88.2007.5.15.0129, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 10/08/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: 19/08/2011)

Nestes termos, não se há falar em violação direta aos arts. 1º, caput, 11 da Lei 7.347/1985 e 461, § 4º, do CPC.

Pelo exposto, não conheço do recurso de revista."

Ao negar provimento aos embargos de declaração, a 5ª Turma reiterou as razões de decidir nos seguintes moldes:

"(...)

1 – MULTA DIÁRIA DO ARTIGO 461, §§ 4º e 6º, DO CPC. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO VALOR E LIMITAÇÃO DO PRAZO DE APLICAÇÃO

A embargante sustenta que o acórdão desta Turma foi omisso quanto à alegação de violação aos arts. 11 da Lei 7.347/84 e 461 do CPC, bem como quanto ao fato de que astreintes não se confundem com cláusula penal e que as obrigações impostas ao Município são de cumprimento protraído no tempo, sendo inconcebível a sua limitação, pois serão exigidas perenemente. Alega que trouxe divergência jurisprudencial específica, na qual não houve pronunciamento.

Estes foram os fundamentos do acórdão embargado:

(...)

Analiso.

Não há omissão a ser sanada, na medida em que a Turma entendeu que os §§ 4º e 6º do art. 461 do CPC dispõem, expressamente, sobre a possibilidade de o Juiz, de ofício, modificar o valor ou periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, conforme entendeu o TRT, razão pela qual reduziu o valor e limitou a sua incidência a 60 dias.

Ademais, todos os dispositivos legais, bem como a divergência trazida pelo recorrente, foram enfrentados mediante a adoção de tese explícita sobre as questões ventiladas, não havendo qualquer omissão a ser sanada.

Evidencia-se a intenção do embargante de rediscutir os fundamentos adotados no acórdão embargado e obter o reexame da matéria julgada, pretensão que não se coaduna com a finalidade dos embargos de declaração, que são cabíveis nas hipóteses previstas nos artigos 897-A da CLT e 535 do CPC, o que não se verifica no caso vertente.

Rejeito os embargos de declaração." (fls. 188-191)

Em recurso de embargos, o Ministério Público do Trabalho, requer, em síntese, seja excluída a limitação temporal de 60 dias imposta pelo Tribunal Regional e confirmada no acórdão turmário deste Tribunal, em relação à multa inibitória de descumprimento de obrigação de fazer de natureza continuada, sob pena de tornar ineficaz a condenação.

À análise.

A tese firmada no acórdão turmário foi no sentido de que a multa diária prevista no art. 461, §§ 4º e 6º, do CPC/1973, a qual tem como propósito compelir o devedor a cumprir determinada obrigação, trata-se de uma faculdade conferida ao julgador, cujo valor e periodicidade podem ser modificados inclusive de ofício, nos casos em que há insuficiência ou excessividade na fixação da multa. Nesse contexto, foi mantida a redução do valor e da incidência da multa ao prazo de 60 dias, concluindo-se não vulnerados os artigos 1º, caput, e 11 da Lei 7.347/1985 e 461, § 4º, do CPC/1973.

O primeiro aresto paradigma originário da 8ª Turma deste Tribunal trata de ação civil pública em que se discute entre outras matérias a limitação temporal da tutela inibitória consistente na determinação de pagamento de salários realizados com atraso.

Esse aresto observa a diretriz jurisprudencial firmada na Súmula 337 do TST, referente aos aspectos formais na indicação do julgado, uma vez que à fl. 213 constam o número do processo, a data de julgamento e fonte de publicação (DEJT de 19.12.2014), bem como foi juntado o inteiro teor do acórdão às fls. 229-257; o órgão julgador é diverso da Turma prolatora do acórdão recorrido; e, no respectivo trecho da transcrição há tese divergente específica, na parte em que a 8ª Turma conclui:

"(...) 2. Entretanto, a despeito de reconhecer a conduta ilícita do reclamado, a instância ordinária limitou a cominação da obrigação, inclusive das astreintes, ao período de cinco anos a contar do trânsito em julgado da decisão. 3. Ora, a limitação temporal do provimento inibitório atenta contra os princípios fundamentais do direito do trabalho, especificamente, os da proteção, o da imperatividade das normas trabalhistas e da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. 4. Se não bastasse, a Lei n° 7.347/85 não prevê a aplicação da penalidade somente por um determinado tempo, mas de forma contrária, preconiza que o caráter da multa é preventivo, buscando-se evitar danos futuros, de modo que a limitação não atende ao caráter preventivo e educacional que deve possuir a sentença proferida em uma ação civil pública. 5. Além disso, o Tribunal a quo, ao concluir pela possibilidade de limitação temporal da tutela inibitória, desconsiderou o caráter sucessivo da relação de emprego, de modo que não é possível o estabelecimento de limite temporal na hipótese de ação de obrigação de fazer, à mingua de amparo legal. 6. Por conseguinte, atentando-se para o caráter preventivo da tutela perseguida e objetivando evitar-se danos futuros, a revista merece provimento, no sentido de extirpar a limitação temporal atribuída à tutela inibitória. Recurso de revista conhecido e provido."

Frise que a tese firmada no aresto paradigma apresentado nas razões dos embargos está relacionada exclusivamente com a incidência de astreinte sem fixação de prazo para cumprimento da obrigação de fazer.

Desse modo, por entender demonstrado o dissenso de tese jurisprudencial nos termos recomendado nas Súmulas 296, I, e 337 do TST, conheço dos embargos quanto ao pedido de limitação temporal da multa referente à tutela inibitória postulada em ação civil pública.

Mérito

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho com pedido para que o Município de Bodoquena – MS cumpra a obrigação de fazer de natureza continuada, consistente no fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, treinamento adequado e água potável aos empregados, bem como fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo aos trabalhadores que executam atividades no serviço público de limpeza urbana do Município réu, sob pena de cominação de multa (astreinte).

Em sentença ficou consignado ser fato incontroverso nos autos que, no curso da ação, após a contestação, o réu comprovou o cumprimento das obrigações requeridas na petição inicial.

Ao julgar parcialmente procedentes os pedidos, o juiz da Vara do Trabalho de Aquidauana – MS condenou o réu no pagamento de multa diária em caso de descumprimento das obrigações indicadas na petição inicial, nos seguintes valores: R$1.000,00 por trabalhador prejudicado pelo não cumprimento de fornecimento de EPI e de água potável e treinamento adequado; e, R$20.000,00, em caso de não fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo.

O Tribunal Regional deu provimento parcial ao recurso ordinário do réu para reduzir o valor da multa diária (astreinte) para R$200,00 por trabalhador prejudicado, limitada ao período de sessenta dias, na hipótese de ser descumprida a obrigação de fazer consistente no fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, treinamento adequado e água potável aos empregados; e, R$10.000,00, no caso de não haver fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo.

Frise-se que após a publicação do acórdão do Tribunal Regional que manteve apenas reduziu o valor e o prazo da multa, mantendo a procedência parcial dos pedidos formulados na petição inicial, não houve recurso do réu. Contra essa decisão somente o Ministério Público do Trabalho interpôs recurso de revista que não foi conhecido, e na sequência, interpôs recurso de embargos com pedido de reforma em relação ao prazo da multa fixado pelo Tribunal Regional. 

A controvérsia, portanto, está relacionada com a limitação temporal da tutela inibitória voltada para eventual descumprimento da obrigação de fazer referente ao fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, treinamento adequado e água potável aos empregados, bem como fornecimento de veículo adequado à coleta de lixo aos trabalhadores que executam atividades no serviço público de limpeza urbana do Município réu.

 A cominação de multa coercitiva (astreinte) pelo descumprimento da obrigação de fazer tem como propósito compelir o devedor a realizar a prestação devida. Essa multa tem o caráter de medida coercitiva, sendo meio indireto de execução para forçar o cumprimento da prestação pelo devedor e buscar o efeito visado pela obrigação. Tem força apenas intimidativa, não sendo possível por meio dela à satisfação do direito do credor.

A legislação não define critérios quanto ao valor na fixação da multa.  A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985), estabelece no artigo 11 que na "ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor." E, no artigo 461, §§ 4º e 6º, do CPC/1973, aplicável ao caso, consta respectivamente que o "juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito" e o "juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva."

Quanto ao momento de incidência da multa decorrente do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, desde o artigo 461 do CPC/1973, agora artigo 537 do CPC/2015, a tutela in natura requerida pode ser concedida tanto no processo de conhecimento quanto no processo execução, havendo a possibilidade de aumento ou redução do valor ou até mesmo substituição por outra medida coercitiva, a qualquer momento, sem ofensa à coisa julgada, sempre com o propósito de assegurar a efetividade da determinação judicial.

A única opção que não é dada ao juízo da cognição é a de retirar do juízo da execução a possibilidade de usar a medida coercitiva como meio de garantir a efetividade da determinação judicial. Se for permitir a fixação de limite temporal para a exigibilidade da astreinte, o juiz que a tirar estará esvaziando o poder de executar, que é uma das manifestações do poder jurisdicional. 

A permitir que no processo de conhecimento o juiz fixe um limite para que a astreinte possa prevalecer, se estará a retirar do Juízo da execução um instrumento imprescindível e valioso para a efetividade da determinação judicial, esvaziando o comando legal previsto até então no artigo 461 do CPC/1973 e atualmente no artigo 537 do CPC. O mais novo artigo 537 do CPC teve acréscimo do § 4º para tornar claro que a "multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado". A finalidade da astreinte é rigorosamente esta.

A teor da regra expressamente prevista no novo artigo 537, § 4º, do CPC parece não mais prevalecer o entendimento de que pode ser fixado um prazo pelo próprio Juízo do processo de conhecimento, de modo a impedir que o Juízo da execução – o Juízo responsável pelo cumprimento do julgado - tenha a prerrogativa de fazer cumprir a decisão.

Assim, na fixação do valor e prazo dessa multa deve o julgador ficar atento ao fim proposto, qual seja, o resultado útil e adequado do cumprimento da obrigação, fixando valores e prazos razoáveis para que não se torne ineficaz quanto à condenação principal, e não haja violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não sendo o valor ou o tempo suficiente e compatível, isto é, a faltar moderação e equilíbrio no momento da fixação da multa em relação à obrigação, pode o julgador ampliar ou reduzir tanto o valor como o prazo, para correção de eventuais desacertos, em atenção às circunstâncias ocorridas no trâmite processual, de modo a viabilizar o cumprimento da decisão judicial.

No caso dos autos, discute-se apenas o limite temporal em caso de eventual descumprimento da obrigação de fazer.

A considerar que o real objetivo da astreinte é a garantia da efetividade da determinação inserida na decisão judicial, entende-se que em havendo prestação de obrigação de fazer deferida em juízo para ser cumprida pelo réu, a fixação da astreinte como meio hábil para alcançar o atendimento da decisão judicial é necessária e não deve ser limitada no tempo, especialmente quando a obrigação decorre de prestação de caráter sucessivo como se verifica em relação às obrigações fixadas no presente feito, em que mesmo havendo registro de ter o Município réu cumprido as obrigações antes mesmo da prolação da sentença, consistente no treinamento adequado dos trabalhadores, concessão de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, bem como fornecimento de água potável e de veículo adequado à coleta de lixo aos trabalhadores que executam atividades no serviço público de limpeza urbana do Município réu, certo é que essas obrigações se renovam de forma sucessiva no tempo.

Assim, em atenção ao mais novo artigo 537 do CPC, que teve acréscimo do § 4º para tornar clara a finalidade da astreinte, e ao princípio da efetividade do processo, que norteia o instituto da astreinte como instrumento que visa propiciar o cumprimento da obrigação in natura, ainda que no curso da demanda tenha ocorrido o cumprimento espontâneo da obrigação de fazer determinada em juízo, deve ser lembrado que o dever imposto ao réu diz respeito a ato que se prolonga no tempo, permanecendo, pois, a necessidade de previsão de incidência da multa na hipótese de novo descumprimento da mesma obrigação de fazer.

A astreinte ou qualquer outra medida coercitiva só são ordenadas quando a sanção legal não se mostrou suficiente, em dado momento, para induzir o devedor a cumprir espontaneamente sua obrigação.

Nem se alegue haver perpetuação da multa, pois a sua incidência no caso dos autos apenas ocorrerá em havendo inadimplemento da obrigação de caráter continuado.

Acrescente-se que, consoante consignado no precedente originário da 8ª Turma deste Tribunal, que fundamenta o conhecimento dos embargos que ora se examina, a "Lei n° 7.347/85 não prevê a aplicação da penalidade somente por um determinado tempo, mas de forma contrária, preconiza que o caráter da multa é preventivo, buscando-se evitar danos futuros, de modo que a limitação não atende ao caráter preventivo e educacional que deve possuir a sentença proferida em uma ação civil pública." (fl. 211)

A considerar que a multa diária fixada na presente ação civil pública trata-se de meio necessário à promoção da tutela específica da obrigação de fazer, não sendo a astreinte meio de satisfação da obrigação, mas sim meio coercitivo indireto de forçar o cumprimento da obrigação reconhecida em juízo, a incidir quando ou enquanto não cumprida a decisão que a tiver cominado (CPC, art. 537, § 4º). Logo, conclui-se que a previsão de sua incidência deve perdurar sem limitação temporal.

Do exposto, dou provimento ao recurso de embargos interposto pelo Ministério Público do Trabalho para restabelecer a sentença na parte em que fixou a astreinte sem a limitação temporal de sessenta dias na hipótese de descumprimento da obrigação de fazer.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença na parte em que fixou a astreinte sem a limitação temporal de sessenta dias na hipótese de descumprimento da obrigação de fazer reconhecida em juízo.

Brasília, 5 de abril de 2018.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO

Ministro Relator

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade