Data da publicação:
Acordão - TST
Maurício Godinho Delgado - TST
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RECLAMANTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. DIREITO REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO.
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RECLAMANTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. JULGAMENTO DA ADI-5766 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO: "DESDE QUE NÃO TENHA OBTIDO EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO, CRÉDITOS CAPAZES DE SUPORTAR A DESPESA". Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da má aplicação do artigo 790-A, § 4º, da CLT, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017.
1. REGIME DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA EM ATIVIDADE INSALUBRE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. DIREITO CONSTITUCIONAL À REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES À SEGURANÇA E À SÁUDE DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 1º, III, 7º, VI, XIII, XIV, XXII, 170, "CAPUT" e 225. CONVENÇÃO 155 DA OIT. SÚMULA 85, VI/TST. DIREITO REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. À luz do princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas coletivas negociadas somente podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista quando observarem dois critérios autorizativos essenciais:
a) quando as normas coletivas implementarem padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável (o clássico princípio da norma mais favorável, portanto). Em segundo lugar
(b), quando as normas autônomas transacionarem parcelas trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).
Não podem prevalecer, portanto, se concretizadas mediante ato estrito de renúncia (e não transação), bem como se concernentes a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III, e 170, caput, CF/88). No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.). Note-se que, embora a Lei n. 13.467/2017 tenha alargado o elenco de temas e parcelas sobre os quais a negociação coletiva do trabalho pode atuar (parcelas de indisponibilidade apenas relativa), ela não buscou eliminar a fundamental distinção entre direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade relativa. Nesse sentido, o art. 611-B, em seus incisos I a XXX, projeta o princípio da adequação setorial negociada ao estabelecer limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista, proibindo a supressão ou a redução dos direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta ali elencados. Em verdade, a doutrina e a jurisprudência deverão cotejar os objetivos precarizadores dos novos preceitos, onde couber, com o conjunto dos princípios e regras do próprio Direito do Trabalho, a par do conjunto dos princípios e regras da Constituição da República, no sentido de ajustar, pelo processo interpretativo e /ou pelo processo hierárquico, a natureza e o sentido do diploma legal novo à matriz civilizatória da Constituição de 1988, além do conjunto geral do Direito do Trabalho. Essa, aliás, é a direção proposta pelo Supremo Tribunal Federal, conforme decisão plenária concluída no dia 14/6/2022, nos autos do ARE 1.121.633/GO. Ali, julgando o mérito da questão constitucional envolvendo o tema 1.046 de repercussão geral, a Suprema Corte fixou a seguinte tese jurídica, que reitera a compreensão de que existem limites objetivos à negociação coletiva, delineados a partir da aplicação dos critérios informados pelo princípio da adequação setorial negociada e pela percepção de que determinados direitos são revestidos de indisponibilidade absoluta: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". No caso vertente, discute-se a possibilidade de a norma coletiva mitigar a regra disposta no art. 60 da CLT, a qual prevê que, nas atividades insalubres, só será permitida qualquer prorrogação da jornada de trabalho mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho. Em se tratando de regra fixadora de vantagem relacionada à redução dos riscos e malefícios no ambiente do trabalho, de modo direto e indireto, é enfática a proibição da Constituição ao surgimento da regra negociada menos favorável (art. 7º, XXII, CF). Em coerência com essa nova diretriz, este Tribunal Superior, por meio da Res. 209/2016, inseriu o item VI na Súmula 85, fixando o entendimento de que: "Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT". Com o advento da Lei 13.467/2017, porém, foi incluída na CLT regra que permite que a negociação coletiva fixe cláusula específica sobre a prorrogação da jornada de trabalho em ambientes insalubres, dispensada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho (art. 611-A, XIII). Entretanto, reitere-se que o assunto diz respeito à saúde da pessoa humana que vive do trabalho, estando imantado por regra imperativa da Constituição da República, constante no art. 7º, XXII, CF, que determina o absoluto prestígio das normas de saúde, higiene e segurança que materializam a preocupação pela redução dos riscos inerentes ao trabalho. Na verdade, está-se aqui diante de uma das mais significativas limitações manifestadas pelo princípio da adequação setorial negociada, informador de que a margem aberta às normas coletivas negociadas não pode ultrapassar o patamar sociojurídico civilizatório mínimo característico das sociedades ocidentais e brasileira atuais. Nesse patamar, evidentemente, encontra-se a saúde pública e suas repercussões no âmbito empregatício. Não há margem para o rebaixamento da proteção à saúde, ainda que coletivamente negociado, até mesmo porque se trata de tema respaldado em base técnico-científica, por envolver riscos evidentes à preservação da saúde humana. A propósito, note-se que a análise da situação, circunstância ou fator insalubre é ato estritamente técnico-científico, que não apresenta pertinência com a ideia de ato passível de negociação entre as partes, mesmo as partes coletivas. Em conclusão, embora tenha sido incluída a possibilidade de instituir a "prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho", no elenco de parcelas de indisponibilidade apenas relativas (art. 611-A, XIII, da CLT), o fato é que há um conjunto normativo circundante ao novo art. 611-A da CLT, formado por princípios e regras jurídicas superiores (ilustrativamente, art. 1º, caput e inciso III; art. 3º, caput e incisos I, II e IV; art. 6º; art. 7º, caput e inciso XXII; art. 194, caput; art. 196; art. 197; art. 200, caput e inciso II, in fine, todos da CF/88). Esse conjunto normativo não pode ser desconsiderado no contexto de aculturação dos dispositivos da negociação coletiva trabalhista firmada no plano concreto do mundo do trabalho. No caso vertente, portanto, a previsão em norma coletiva de compensação ou prorrogação da jornada deve ser considerada inválida, porque a atividade desenvolvida pela Reclamante era insalubre e não havia a autorização da autoridade competente para a prorrogação de jornada, nos termos do art. 60 da CLT. Recurso de revista conhecido e provido quanto ao tema.
2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RECLAMANTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. JULGAMENTO DA ADI-5766 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO: "DESDE QUE NÃO TENHA OBTIDO EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO, CRÉDITOS CAPAZES DE SUPORTAR A DESPESA". A hipossuficiência econômica ensejadora do direito à gratuidade judiciária, consiste na insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem comprometer o mínimo dispensável à própria subsistência ou de sua família, expressão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). No âmbito do direito processual do trabalho, a realização do acesso à Justiça ao trabalhador hipossuficiente e beneficiário da justiça gratuita busca assegurar, no plano concreto, a efetividade dos direitos sociais trabalhistas, conferindo-lhes real sentido, com a consequente afirmação da dignidade da pessoa humana, da paz social e da redução das desigualdades sociais. Em vista da relevância do direito à gratuidade da justiça, com embasamento em preceitos da Constituição Federal de 1988, o Relator sempre entendeu pela flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88. Isso porque a efetividade da norma contida no caput do artigo 791-A da CLT não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do acesso à Justiça e da justiça gratuita (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF) - integrantes do núcleo essencial da Constituição da República e protegidos pela cláusula pétrea disposta no art. 60, § 4º, IV, da CF -, que visam a equacionar a igualdade das partes dentro do processo e a desigualdade econômico-social dos litigantes, com o fim de garantir, indistintamente, a tutela jurisdicional a todos, inclusive aos segmentos sociais vulneráveis, hipossuficientes e tradicionalmente excluídos do campo institucionalizado do Direito. Em virtude disso, inclusive, o Relator havia suscitado o incidente de inconstitucionalidade de referido dispositivo no âmbito desta 3ª Turma. Ocorre que, com o advento do recente julgamento da ADI 5766, pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, declarou inconstitucionais o caput e o § 4º do artigo 790-B da CLT, bem como do artigo 791-A, § 4º, da CLT, houve uma compreensão preliminar, pelo TST, a partir do teor da certidão de julgamento publicada em 20/10/2021, que a decisão abarcaria a inconstitucionalidade integral dos referidos dispositivos legais. Em razão disso, a matéria suscitada perante o Pleno no TST perdeu o objeto, tendo sido proferidas decisões no âmbito desta Corte. Sucede que, publicado o acórdão principal do STF prolatado na ADI 5766, da lavra do Ministro Alexandre de Moraes, redator designado, e esclarecidos os pontos suscitados pela AGU nos Embargos de Declaração, verificou-se que a inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT não teve a extensão vislumbrada inicialmente pela jurisprudência desta Corte. Da leitura das decisões proferidas pelo STF, infere-se que a declaração de inconstitucionalidade abrangeu, em relação ao § 4º do art. 791-A da CLT, apenas a expressão "desde que não tenha obtido em Juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa". Assim, especificamente em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, depreende-se dos acórdãos proferidos na ADI 5766 que o § 4º do art. 791-A da CLT passou a vigorar com a seguinte redação: vencido o beneficiário da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado, esse prazo, tais obrigações do beneficiário. Certo que a alteração da condição de hipossuficiência econômica do(a) trabalhador(a), ônus probatório do credor, não pode ser aquilatada a partir dos ganhos advindos de processo judicial. Assim, a modificação havida no § 4º do art. 791-A da CLT diz respeito à compreensão de que créditos judiciais – recebidos em qualquer processo – não são computáveis e não interferem na qualificação do obreiro como hipossuficiente. O estado de aptidão financeira do Reclamante deverá ser aferida – e provada pelo credor – por meio da existência de outros recursos financeiros alheios à percepção de créditos judiciais. Ademais, para a execução da obrigação, o credor tem o prazo de dois anos – após o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito às obrigações decorrentes da sucumbência – para produzir a prova que lhe compete, ficando os encargos do devedor, nesse interregno, sob condição suspensiva de exigibilidade. Após o transcurso desse prazo, extinguem-se as obrigações do beneficiário da justiça gratuita. Dessa forma, na presente hipótese, reconhecida pela Instância Ordinária a qualidade de hipossuficiente econômico da Reclamante, com a concessão do benefício da justiça gratuita, a sua condenação ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais a incidirem sobre os créditos obtidos na presente ação ou em outro processo implica ofensa direta ao artigo 5º, XXXV, e LXXIV, da CF. Em respeito à decisão proferida pelo STF na ADI 5766, reafirmada na decisão proferida em embargos de declaração, conclui-se que, em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, fica suspensa a exigibilidade do seu pagamento pela Reclamante, beneficiário da justiça gratuita, que somente poderá ser executado se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que certificou as obrigações decorrentes de sua sucumbência, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a referida obrigação da Reclamante. Repise-se que a alteração da condição de hipossuficiência econômica do(a) trabalhador(a), ônus probatório do credor, não se verifica pela percepção de créditos advindos de processos judiciais. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido no aspecto. (TST-RR-10005-65.2019.5.03.0080, Mauricio Godinho Delgado, DEJT 31/03/2023)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-10005-65.2019.5.03.0080, em que é Recorrente ROSA HELENA LUIZ SILVA e é Recorrido HOSPITAL E MATERNIDADE MED-CENTER LTDA.
O Tribunal Regional do Trabalho de origem recebeu parcialmente o recurso de revista da Parte Recorrente.
Inconformada, a Parte Recorrente interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando que o seu apelo reunia condições de admissibilidade.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 95, § 2º, do RITST.
PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017.
É o relatório.
V O T O
I) CONHECIMENTO
Atendidos todos os pressupostos recursais, CONHEÇO do apelo.
II) MÉRITO
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RECLAMANTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. JULGAMENTO DA ADI-5766 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO: "DESDE QUE NÃO TENHA OBTIDO EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO, CRÉDITOS CAPAZES DE SUPORTAR A DESPESA".
O TRT de origem manteve a sentença que condenou a Reclamante, beneficiária da Justiça Gratuita, no pagamento dos honorários advocatícios.
A Reclamante, em suas razões recursais, pugna pela reforma do acórdão recorrido. Indica, entre outros, violação do art. 790-A, § 4º, da CLT.
Por ocasião do primeiro juízo de admissibilidade, o Tribunal Regional denegou seguimento ao recurso de revista.
No agravo de instrumento, a Reclamante reitera as alegações trazidas no recurso de revista, ao argumento de que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade do art. 896 da CLT.
Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da má aplicação do art. 790-A, § 4º, da CLT.
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.
B) RECURSO DE REVISTA
I) CONHECIMENTO
Atendidos todos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.
1) REGIME DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA EM ATIVIDADE INSALUBRE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. DIREITO CONSTITUCIONAL À REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES À SEGURANÇA E À SÁUDE DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 1º, III, 7º, VI, XIII, XIV, XXII, 170, "CAPUT", e 225. CONVENÇÃO 155 DA OIT. SÚMULA 85, VI/TST. DIREITO REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO
O Tribunal Regional, no que interessa, assim decidiu:
MÉRITO
DAS HORAS EXTRAS - NULIDADE BANCO DE HORAS - ATIVIDADE INSALUBRE
A reclamante não se conforma com a decisão proferida em primeira instância que validou o banco de horas instituído por negociação coletiva, mesmo diante do exercício de atividade insalubre.
Invoca a aplicação da Súmula n. 85, do TST e requer que seja declarada a invalidade da compensação de jornada, com a condenação do reclamado ao pagamento das horas extras devidas.
Quanto à invalidade do acordo de compensação de jornada, entendo que o art. 60 da CLT não foi recepcionado pela Constituição Federal, já que a única exigência trazida no texto constitucional para validar a majoração de jornada é o prévio acordo entre as partes (coletivo ou individual). O art. 7º, XIII, da Magna Carta expressamente autorizou a compensação de jornada, sem estabelecer nenhuma restrição quanto à possível condição de trabalho insalubre.
Necessário frisar, ainda, que há acordo coletivo de compensação de jornada (fls. 58 e seguintes - cláusula sexta), que preveem a adoção do banco de horas, não havendo que se falar na aplicação do item IV da Súmula n. 85 do TST.
A prestação de horas extras, habitual ou não, é própria do regime ajustado, não havendo espaço para a aplicação dos itens III e IV, da Súmula nº 85, do TST, dada a especificidade e necessidade de distinção da hipótese. O regime de compensação assim estipulado foi acertado entre as partes convenentes, sendo da sua essência a possibilidade de prestação de horas suplementares.
Nesses termos, não há que falar em nulidade do sistema de compensação semanal de jornada e pagamento de horas laboradas após a 8ª diária e 44ª semanal.
Apelo desprovido.
A Parte Recorrente, em suas razões recursais, pugna pela reforma do acórdão recorrido.
Ao exame.
O princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva traduz a noção de que os processos negociais coletivos e seus instrumentos têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal. Tal poder excepcional conferido pela ordem jurídica aos sujeitos coletivos trabalhistas (art. 7º, XXVI, da CF) desponta, certamente, como a mais notável característica do Direito Coletivo do Trabalho - circunstância que, além de tudo, influencia a estruturação mais democrática e inclusiva do conjunto da sociedade, tal como objetivado pela Constituição (art. 1º, II e III, 3º, I e IV, da CF).
De outro lado, não obstante a Constituição da República confira à negociação coletiva amplos poderes, não se trata jamais de um superpoder da sociedade civil, apto a desconsiderar, objetivamente, os princípios humanísticos e sociais da própria Constituição Federal, ou de, inusitadamente, rebaixar ou negligenciar o patamar de direitos individuais e sociais fundamentais dos direitos trabalhistas que sejam imperativamente fixados pela ordem jurídica do País. Desse modo, tais possiblidades não são plenas e irrefreáveis. Há limites objetivos à criatividade jurídica na negociação coletiva trabalhista.
Mais uma vez — e sempre que se fala em flexibilização, transação e negociação coletiva, efetivamente — deve-se refletir em torno do princípio da adequação setorial negociada.
À luz de tal princípio, as normas autônomas coletivas negociadas somente podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista quando observarem dois critérios autorizativos essenciais: a) quando as normas coletivas implementarem padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável (o clássico princípio da norma mais favorável, portanto). Em segundo lugar (b), quando as normas autônomas transacionarem parcelas trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). Não podem prevalecer, portanto, se concretizadas mediante ato estrito de renúncia (e não transação), bem como se concernentes a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III, e 170, caput, CF/88).
No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.).
Note-se que, embora a Lei n. 13.467/2017 tenha alargado o elenco de temas e parcelas sobre os quais a negociação coletiva do trabalho pode atuar (parcelas de indisponibilidade apenas relativa), ela não buscou eliminar a fundamental distinção entre direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade relativa. Nesse sentido, o art. 611-B, em seus incisos I a XXX, projeta o princípio da adequação setorial negociada ao estabelecer limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista, proibindo a supressão ou a redução dos direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta ali elencados.
Em verdade, a doutrina e a jurisprudência deverão cotejar os objetivos precarizadores dos novos preceitos, onde couber, com o conjunto dos princípios e regras do próprio Direito do Trabalho, a par do conjunto dos princípios e regras da Constituição da República, no sentido de ajustar, pelo processo interpretativo e /ou pelo processo hierárquico, a natureza e o sentido do diploma legal novo à matriz civilizatória da Constituição de 1988, além do conjunto geral do Direito do Trabalho.
Essa, aliás, é a direção proposta pelo Supremo Tribunal Federal, conforme decisão plenária concluída no dia 14/6/2022, nos autos do ARE 1.121.633/GO. Ali, julgando o mérito da questão constitucional envolvendo o tema 1.046 de repercussão geral, a Suprema Corte fixou a seguinte tese jurídica, que reitera a compreensão de que existem limites objetivos à negociação coletiva, delineados a partir da aplicação dos critérios informados pelo princípio da adequação setorial negociada e pela percepção de que determinados direitos são revestidos de indisponibilidade absoluta: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".
No caso vertente, discute-se a possibilidade de a norma coletiva mitigar a regra disposta no art. 60 da CLT, a qual prevê que, nas atividades insalubres, só será permitida qualquer prorrogação da jornada de trabalho mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho.
Em se tratando de regra fixadora de vantagem relacionada à redução dos riscos e malefícios no ambiente do trabalho, de modo direto e indireto, é enfática a proibição da Constituição ao surgimento da regra negociada menos favorável (art. 7º, XXII, CF). Em coerência com essa nova diretriz, este Tribunal Superior, por meio da Res. 209/2016, inseriu o item VI na Súmula 85, fixando o entendimento de que: "Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT".
Atente-se que, com o advento da Lei 13.467/2017, foi incluída na CLT regra que permite que a negociação coletiva fixe cláusula específica sobre a prorrogação da jornada de trabalho em ambientes insalubres, dispensada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho (art. 611-A, XIII).
Entretanto, o assunto diz respeito à saúde da pessoa humana que vive do trabalho, estando imantado por regra imperativa da Constituição da República, constante no art. 7º, XXII, CF, que determina o absoluto prestígio das normas de saúde, higiene e segurança que materializam a preocupação pela redução dos riscos inerentes ao trabalho.
Pelo Texto Magno, a saúde e segurança laborais são direito subjetivo obreiro, constituindo, ainda, parte integrante e exponencial de uma política de saúde pública no País. Não há, ao invés, na Constituição, qualquer indicativo jurídico de que tais valores e objetivos possam ser descurados em face de qualquer processo negocial coletivo. Na verdade, está-se aqui diante de uma das mais significativas limitações manifestadas pelo princípio da adequação setorial negociada, informador de que a margem aberta às normas coletivas negociadas não pode ultrapassar o patamar sociojurídico civilizatório mínimo característico das sociedades ocidentais e brasileira atuais. Nesse patamar, evidentemente, encontra-se a saúde pública e suas repercussões no âmbito empregatício.
Além do mais, conquanto a Lei 13.467/2017, na inserção de dispositivos que realizou na CLT (art. 611-A, caput e incisos I, II e XIII, c/c parágrafo único do art. 611-B da Consolidação), tenha procurado desvincular, cirurgicamente, do campo da saúde e segurança do trabalho as regras sobre duração do trabalho e intervalos, autorizando à negociação coletiva trabalhista fixar cláusulas sobre jornada de trabalho, banco de horas e prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho e Previdência, esse intento coloca a inusitada regra contra a Ciência e a Constituição da República (art. 1º, caput e inciso III; art. 3º, caput e incisos I, II e IV; art. 6º; art. 7º, caput e inciso XXII; art. 194, caput; art. 196; art. 197; art. 200, caput e inciso II, in fine, todos da CF/88).
Reitere-se: a saúde humana não é passível de negociação bilateral ou coletiva, por força da matriz constitucional de 1988, com suas várias regras e princípios de caráter humanístico e social. Saúde e segurança no trabalho são direitos individuais e sociais fundamentais de natureza indisponível (art. 7º, XXII, CF). Não há margem para o rebaixamento da proteção à saúde, ainda que coletivamente negociado, até mesmo porque se trata de tema respaldado em base técnico-científica, por envolver riscos evidentes à preservação da saúde humana. A propósito, note-se que a análise da situação, circunstância ou fator insalubre é ato estritamente técnico-científico, que não apresenta pertinência com a ideia de ato passível de negociação entre as partes, mesmo as partes coletivas.
Em conclusão, embora tenha sido incluída a possibilidade de instituir a "prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho", no elenco de parcelas de indisponibilidade apenas relativas (art. 611-A, XIII, da CLT), o fato é que há um conjunto normativo circundante ao novo art. 611-A da CLT, formado por princípios e regras jurídicas superiores (ilustrativamente, art. 1º, caput e inciso III; art. 3º, caput e incisos I, II e IV; art. 6º; art. 7º, caput e inciso XXII; art. 194, caput; art. 196; art. 197; art. 200, caput e inciso II, in fine, todos da CF/88). Esse conjunto normativo não pode ser desconsiderado no contexto de aculturação dos dispositivos da negociação coletiva trabalhista firmada no plano concreto do mundo do trabalho.
No caso vertente, portanto, a previsão em norma coletiva de compensação ou prorrogação da jornada deve ser considerada inválida, porque a atividade desenvolvida pela Reclamante era insalubre e não havia a autorização da autoridade competente para a prorrogação de jornada, nos termos do art. 60 da CLT.
Nesse sentido:
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/17 . HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA. ATIVIDADE INSALUBRE. AUSÊNCIA DE LICENÇA PRÉVIA DA AUTORIDADE COMPETENTE EM MATÉRIA DE HIGIENE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO. PRORROGAÇÃO HABITUAL DA JORNADA. SÚMULA 85, IV, DO TST. INAPLICÁVEL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. O entendimento pacífico desta Corte é de que a prestação habitual de horas extras bem como o trabalho nos dias destinados à compensação invalida integralmente o sistema de compensação. Precedentes. 2. Ademais, "não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT" (Súmula 85, VI, do TST). 3. Assim, o regime de compensação adotado resta descaracterizado, seja porque havia prestação habitual de horas extras, inclusive nos dias destinados à compensação, seja porque a reclamante trabalhava em condições insalubres sem que houvesse licença prévia da autoridade competente em matéria de higiene, saúde e segurança do trabalho para a prorrogação da jornada, sendo devidas as horas excedentes à 8ª diária e à 44ª semanal. Inaplicável, portanto, a parte final da Súmula 85, IV, do TST. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-147-98.2020.5.12.0023, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 19/08/2022).
Observe-se, por fim, não ser o caso de pagamento apenas do adicional, pois o disposto na Súmula 85, IV/TST diz respeito à irregular compensação semanal, aplicável quando a invalidade do ajuste decorrer apenas da prestação de horas extras habituais ou do mero desatendimento às exigências legais, o que não é a hipótese dos autos, em que foi constatado o trabalho em atividade insalubre.
Pelo exposto, CONHEÇO do recurso de revista da Reclamante, quanto ao tema, por violação do art. 60 da CLT.
2) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RECLAMANTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. JULGAMENTO DA ADI-5766 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO: "DESDE QUE NÃO TENHA OBTIDO EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO, CRÉDITOS CAPAZES DE SUPORTAR A DESPESA"
O Tribunal Regional decidiu:
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS AO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA
A recorrente alega que por ser beneficiária da justiça gratuita não deve persistir sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios aos patronos do reclamado, sendo que tal decisão fere gravemente os preceitos da assistência jurídica integral aos que comprovarem a insuficiência de recursos.
Requer o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e §4º, 791-A, §4º e 844, §2º, da CLT.
Na eventualidade, requer a minoração do percentual arbitrado na origem.
Analiso.
A sucumbência da parte contrária constitui elemento indispensável ao surgimento da obrigação de pagar os honorários advocatícios. Assim, mantida a procedência parcial dos pedidos, a reclamante torna-se sucumbente na demanda. Logo, passa ela a ser devedora dos honorários advocatícios, conforme percentual e demais parâmetros sentenciais.
Além disso, não há razões para acolher a arguição de inconstitucionalidade dos dispositivos invocados, sendo que o Supremo Tribunal Federal ainda não concluiu o julgamento da ADI 5766, em que foi instado a se manifestar, nem proferiu decisão cautelar que determine a suspensão da eficácia dos artigos.
Registre-se que a norma celetista reformada prevê a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita (vide art. 791-A, § 4º, da CLT), não se cogitando de qualquer isenção.
Tendo em vista que o juízo de origem já determinou observância ao art. 791-A, §4º, da CLT, que suspende a sua exigibilidade, caso não existam créditos capazes de suportar a despesa, a sentença se mostra irretocável, também neste aspecto.
Os valores fixados se mostram razoáveis, em perfeita consonância com os parâmetros fixados no art. 791-A, §2º da CLT.
Nego provimento.
A Parte, em suas razões recursais, pugna pela reforma do acórdão regional quanto ao tema em epígrafe.
Ao exame.
A Instância Ordinária, considerando que a ação trabalhista foi proposta sob a égide da Lei 13.467/2017, condenou a Reclamante, beneficiário da Justiça Gratuita, ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência.
A Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) trouxe, no regramento contido no artigo 791-A da CLT, alterações impactantes no tocante ao regime de concessão dos honorários advocatícios de sucumbência.
Nos termos do novo texto legal, os honorários advocatícios têm pertinência em distintas hipóteses de sucumbência: a) na sucumbência total ou parcial do empregador; b) na sucumbência total ou parcial do trabalhador; c) na sucumbência do empregador ou do trabalhador em situações que envolvam reconvenção.
Seguindo a diretriz contida na IN 41/2018 desta Corte Superior, que dispõe sobre a aplicação das normas processuais da CLT alteradas pela Lei 13.467/2017, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, prevista no art. 791-A da CLT, será aplicável às ações propostas após 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017).
Ressalte-se, contudo, que a aplicação da nova disciplina sobre a matéria, no plano processual trabalhista, deve ser realizada para além de uma simples leitura literal e isolada do dispositivo em análise, buscando uma interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica, de forma a garantir a harmonia do novo regramento dos honorários advocatícios de sucumbência com o ordenamento jurídico pátrio, em especial com as normas e princípios constitucionais.
Dispõe o artigo 791-A da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§ 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.
§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
§ 5º São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.
Importante observar que o reconhecimento do direito aos honorários de sucumbência ao advogado, nos termos do caput do artigo 791-A da CLT, conquanto impacte os custos da ação trabalhista, tornando-a mais onerosa para a Parte que os deva suportar, não apresenta, em si, uma barreira de acesso à Justiça aos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes.
Todavia, esse entendimento desaparece diante do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT, que, ao estender ao beneficiário da justiça gratuita a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, trouxe uma patente, significativa e comprometedora redução dos direitos fundamentais ao acesso à Justiça e à justiça gratuita.
A atenção e proteção da assistência judiciária aos segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis - de modo a garantir, sem distinção e de forma efetiva, o acesso de todos os segmentos da sociedade à Justiça - têm sido, nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, progressivamente reconhecidas "como sendo de importância capital para a realização dos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação" (Acesso à Justiça, Tradução de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, págs. 11-12).
No Brasil, a preocupação em torno da necessidade de proteção jurídica aos pobres e excluídos da sociedade culminou com o reconhecimento da assistência judiciária na Constituição de 1934, que, com exceção da Carta autoritária de 1937, teve assento nos textos constitucionais seguintes, consoante retratado por Peter Messitte no artigo intitulado "Assistência judiciária no Brasil: uma pequena história".
A Constituição da República considera como direito e garantia fundamentais, inseridos no Título II da CF ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais"), o amplo acesso das pessoas ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), além da prestação, pelo Estado, de "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXV, CF).
Para as pessoas economicamente (ou socialmente) vulneráveis, o amplo acesso à jurisdição somente se torna possível e real caso haja, de fato, a efetiva garantia da graciosidade dos atos judiciais.
Ora, sabendo-se que a restrição monetária, relativamente aos segmentos sociais sem lastro econômico-financeiro (os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis, enfatize-se), assume o caráter de restrição absoluta ou quase absoluta, percebe-se que os comandos constitucionais expressos nos incisos XXXV (princípio do amplo acesso à jurisdição) e LXXIV (instituto da justiça gratuita) do art. 5º da CF/88 se mostram flagrantemente desrespeitados pela nova sistemática trazida pela Lei 13.467/2017, em especial quanto à responsabilização do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento dos honorários advocatícios, inserida no § 4º do art. 791-A da CLT.
Note-se que o dispositivo legal referido também agride, de maneira direta, o princípio constitucional da igualdade, em seu sentido material, pois inviabiliza o remédio legal corretivo, pela lei processual, da situação profundamente desigual que se abate sobre os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis. O princípio da igualdade em sentido material (muito além da vetusta concepção da igualdade em sentido formal) está bastante claro também na Constituição de 1988, quer em seu Preâmbulo (onde a igualdade emerge, simbolicamente, ao lado da justiça), quer em seu art. 1º (implicitamente) e em seu art. 2º (também implicitamente), quer em seu art. 5º, caput, explicitamente.
Com efeito, a efetividade da norma contida no caput do artigo 791-A da CLT não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do acesso à Justiça e da justiça gratuita (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF) - integrantes do núcleo essencial da Constituição da República e protegidos pela cláusula pétrea disposta no art. 60, § 4º, da CF -, que visam a equacionar a igualdade das partes dentro do processo e a desigualdade econômico-social dos litigantes, com o fim de garantir, indistintamente, a tutela jurisdicional a todos, inclusive aos segmentos sociais vulneráveis, hipossuficientes e tradicionalmente excluídos do campo institucionalizado do Direito.
A hipossuficiência econômica ensejadora do direito à gratuidade judiciária consiste na insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem comprometer o mínimo dispensável à própria subsistência ou de sua família, expressão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
Assente-se, ainda, que a inclusão, pela Lei 13.467/2017, do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT também desnatura o conceito de justiça social, alicerçada nos princípios da proteção, da progressividade social e da vedação do retrocesso. A vedação a qualquer medida de retrocesso social é diretriz decisiva para que os Direitos Humanos demonstrem seu caráter progressivo permanente, na perspectiva do denominado princípio da progressividade social. No Brasil, o princípio da progressividade dos direitos humanos, bem como o da vedação do retrocesso social, estão incorporados na norma constante do § 2º do art. 5º da Constituição da República, que estatui explicitamente: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
No plano internacional, a garantia do acesso à Justiça se encontra consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 10, no Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos, art. 14, 1, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 8, 1, a seguir transcritos:
Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo 10
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele
Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos
Artigo 14
1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
Artigo 8
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Portanto, as normas insculpidas na parte final do caput e no § 4º do art. 790-B da CLT, ao criarem artifícios de esvaziamento e corrosão do direito à justiça gratuita, acabam por diminuir o princípio da igualdade processual, além da redução das desigualdades reais, gerando um obstáculo ao acesso à Justiça, que, na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, configura "o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos." (Acesso à Justiça, Tradução de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, pág. 12).
Destaca-se ainda que, no âmbito do direito processual do trabalho, a realização do acesso à Justiça ao trabalhador hipossuficiente e beneficiário da justiça gratuita busca assegurar, no plano concreto, a efetividade dos direitos sociais trabalhistas, conferindo-lhes real sentido, com a consequente afirmação da dignidade da pessoa humana, da paz social e da redução das desigualdades sociais.
Importante acentuar que parte significativa dos autores de ações trabalhistas no Brasil são trabalhadores desempregados que litigam contra seus ex-empregadores ou são trabalhadores com renda salarial relativamente modesta – ambos os grupos assumindo, nessa medida, o papel de lídimos destinatários da justiça gratuita.
Referido cenário se confirma com a publicação do livro: Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2019, divulgado pelo IBGE, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua do IBGE (disponível no endereço eletrônico: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf), em que se encontram expostos pelos índices oficiais do governo (IBGE) as condições de vida da população brasileira, a estrutura econômica, o mercado de trabalho, a distribuição de renda, pobreza monetária e o acesso da população em múltiplas dimensões, a demonstrar a vulnerabilidade social e monetária de grande parcela da classe trabalhadora brasileira.
Nesse aspecto, a norma inserta no § 4º do art. 791-A da CLT, incluída pela Lei 13.467/2017, ao criar um mecanismo fictício de perda da condição de hipossuficiência econômica, afronta o próprio direito fundamental à gratuidade da Justiça. A compatibilização da previsão contida no caput do art. 791-A da CLT, inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, com a concessão da justiça gratuita ao litigante declarado hipossuficiente econômico, como realização do amplo acesso à Justiça, não pode ser alcançada mediante a utilização de artifício que se mostra incompatível, em si, com a ordem constitucional. Isso porque, quando a atuação dos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes é restringida pela imposição de estratégias legislativas que criam embaraços à realização do conteúdo das garantias constitucionais previstas no art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF, as desigualdades sociais ficam ainda mais aparentes e severas.
E, reconhecida a incapacidade da Parte Reclamante de suportar os custos de uma demanda judicial, caberia ao Estado, como forma de suprir a deficiência do poder público de assegurar aos hipossuficientes o direito à assistência judiciária integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF) e o amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF), a responsabilização pelo pagamento dos honorários advocatícios, utilizando-se, por analogia, da sistemática de remuneração dos honorários periciais (Súmula 457/TST), devendo a União arcar com a despesa na linha já assentada pela Resolução CSJT nº 66, de 10/06/2010.
Dessa forma, em consonância com os fundamentos anteriormente expostos, este Relator sempre entendeu pela flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88.
Em virtude disso, este Relator havia suscitado o incidente de inconstitucionalidade de referido dispositivo no âmbito desta 3ª Turma.
Ocorre que, com o advento do recente julgamento da ADI 5766, pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, declarou inconstitucionais o caput e o § 4º do artigo 790-B da CLT, bem como do artigo 791-A, § 4º, da CLT, houve uma compreensão preliminar, pelo TST, a partir do teor da certidão de julgamento publicada em 20/10/2021, que a decisão abarcaria a inconstitucionalidade integral dos referidos dispositivos legais. Em razão disso, a matéria suscitada perante o Pleno no TST perdeu o objeto.
Eis o teor da certidão de julgamento da ADI 5766, publicada em 20/10/2021 (grifos nossos):
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (Relator), Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).
Assim, com suporte no teor da certidão de julgamento da ADI 5766, houve uma compreensão preliminar, pelo TST, que a decisão abarcaria a inconstitucionalidade integral do artigo 791-A, § 4º, da CLT em questão.
Citam-se, exemplificativamente, os seguintes julgados desta Corte Superior:
"RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. A Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) trouxe, no regramento contido no artigo 791-A da CLT, alterações impactantes no tocante ao regime de concessão dos honorários advocatícios de sucumbência. Nos termos do novo texto legal, os honorários advocatícios têm pertinência em distintas hipóteses de sucumbência: a) na sucumbência total ou parcial do empregador; b) na sucumbência total ou parcial do trabalhador; c) na sucumbência do empregador ou do trabalhador em situações que envolvam reconvenção. Seguindo a diretriz contida na IN 41/2018 desta Corte Superior, que dispõe sobre a aplicação das normas processuais da CLT alteradas pela Lei 13.467/2017, a condenação em honorários periciais, prevista no art. 790-B da CLT, será aplicável às ações propostas após 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017). Contudo a aplicação da nova disciplina sobre a matéria, no plano processual trabalhista, deve ser realizada para além de uma simples leitura literal e isolada do dispositivo em análise, buscando uma interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica, de forma a garantir a harmonia do novo regramento dos honorários advocatícios de sucumbência com o ordenamento jurídico pátrio, em especial, com as normas e princípios constitucionais. Importante pontuar que o reconhecimento do direito aos honorários de sucumbência ao advogado, nos termos do caput do artigo 791-A da CLT, conquanto impacte os custos da ação trabalhista, tornando-a mais onerosa para a Parte que os deva suportar, não apresenta, em si, uma barreira de acesso à Justiça aos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes. Todavia, esse entendimento desparece diante do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT, que, ao estender ao beneficiário da justiça gratuita a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, trouxe uma patente, significativa e comprometedora redução dos direitos fundamentais ao acesso à Justiça e à justiça gratuita. No Brasil, a preocupação em torno da necessidade de proteção jurídica aos pobres e excluídos da sociedade culminou com o reconhecimento da assistência judiciária na Constituição de 1934, que, com exceção da Carta autoritária de 1937, teve assento nos textos constitucionais seguintes, consoante retratado por Peter Messitte, no artigo intitulado "Assistência judiciária no Brasil: uma pequena história". A Constituição da República considera como direito e garantia fundamentais, inseridos no Título II da CF ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais"), o amplo acesso das pessoas ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), além da prestação, pelo Estado, de "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXV, CF). Para as pessoas economicamente (ou socialmente) vulneráveis, o amplo acesso à jurisdição somente se torna possível e real caso haja, de fato, a efetiva garantia da graciosidade dos atos judiciais. Ora, sabendo-se que a restrição monetária, relativamente aos segmentos sociais sem lastro econômico-financeiro (os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis, enfatize-se), assume o caráter de restrição absoluta ou quase absoluta, percebe-se que os comandos constitucionais expressos nos incisos XXXV (princípio do amplo acesso à jurisdição) e LXXIV (instituto da justiça gratuita) do art. 5º da CF/88 se mostram flagrantemente desrespeitados pela nova sistemática trazida pela Lei 13.467/2017, em especial, quanto à responsabilização do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento dos honorários advocatícios inserida no § 4º do art. 791-A da CLT. Note-se que os dispositivos legais referidos também agridem, de maneira direta, o princípio constitucional da igualdade, em seu sentido material, pois inviabilizam o remédio legal corretivo, pela lei processual, da situação profundamente desigual que se abate sobre os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis. Com efeito, a efetividade da norma contida no caput do artigo 791-A da CLT não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do acesso à Justiça e da justiça gratuita (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF) - integrantes do núcleo essencial da Constituição da República e protegidos pela cláusula pétrea disposta no art. 60, § 4º, da CF -, que visam equacionar a igualdade das partes dentro do processo e a desigualdade econômico-social dos litigantes, com o fim de garantir, indistintamente, a tutela jurisdicional a todos, inclusive aos segmentos sociais vulneráveis, hipossuficientes e tradicionalmente excluídos do campo institucionalizado do Direito. Assente-se, ainda, que a inclusão, pela Lei 13.467/2017, do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT também desnatura o conceito de justiça social , alicerçada nos princípios da proteção, da progressividade social e da vedação do retrocesso. A vedação a qualquer medida de retrocesso social é diretriz decisiva para que os Direitos Humanos demonstrem seu caráter progressivo permanente, na perspectiva do denominado princípio da progressividade social. No Brasil, o princípio da progressividade dos direitos humanos, bem como o da vedação do retrocesso social estão incorporados na norma constante do § 2º do art. 5º da Constituição da República, que estatui explicitamente: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". No plano internacional, a garantia do acesso à Justiça se encontra consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 10, no Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos, art. 14, 1, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 8, 1. Portanto, a norma insculpida no § 4º do art. 791-A da CLT, ao criar artifício de esvaziamento e corrosão do direito à justiça gratuita, acaba por diminuir o princípio da igualdade processual, além da redução das desigualdades reais, gerando um obstáculo ao acesso à Justiça, que, na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, configura "o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos." Importante acentuar que parte significativa dos autores de ações trabalhistas no Brasil são trabalhadores desempregados que litigam contra seus ex-empregadores ou são trabalhadores com renda salarial relativamente modesta - ambos os grupos assumindo, nessa medida, o papel de lídimos destinatários da justiça gratuita. Nesse aspecto, a norma inserta no § 4º do art. 791-A da CLT, incluída pela Lei 13.467/2017, ao criar um mecanismo fictício de perda da condição de hipossuficiência econômica afronta o próprio direito fundamental à gratuidade da Justiça. A compatibilização da previsão contida no caput do art. 791-A da CLT, inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, com a concessão da justiça gratuita ao litigante declarado hipossuficiente econômico, como realização do amplo acesso à Justiça, não pode ser alcançada mediante a utilização de artifício que se mostra incompatível, em si, com a ordem constitucional. Dessa forma, em consonância com os fundamentos anteriormente expostos, este Relator sempre entendeu pela flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88. Em virtude disso, esse Relator havia suscitado o incidente de inconstitucionalidade de referido dispositivo no âmbito dessa 3ª Turma. Ocorre que com o advento da recentíssima decisão proferida pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5766, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucional o artigo 791-A, § 4º, da CLT, a matéria perdeu objeto no âmbito dessa Corte Trabalhista. Assim, na presente hipótese, reconhecida pela Instância Ordinária a qualidade de hipossuficiente econômico do Reclamante, com a concessão do benefício da justiça gratuita, a condenação do Reclamante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais implica ofensa direta ao artigo 5º, XXXV e LXXIV, da CF. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-549-34.2020.5.12.0039, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 13/05/2022).
RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. APLICAÇÃO DO ART. 791-A, § 4.º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI N.º 13.467/2017. INCONSTITUCIONALIDADE (ADI 5.766/DF). TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. Diante da inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4.º, da CLT, introduzido pela lei n.º 13.467/2017, declarada pelo STF, em ação de controle de constitucionalidade, inviável a condenação do reclamante, beneficiário da justiça gratuita, no pagamento de honorários advocatícios. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido" (RR-1002197-19.2017.5.02.0038, 1ª Turma, Rel Min Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 09/05/2022).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS N.º13.015/2014 E 13.467. (...) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. No caso vertente, o Tribunal Regional reformou a sentença de origem para condenar o reclamante, beneficiário da justiça gratuita, ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, nos termos do art. 791-A, § 4º, da CLT, visto que a ação foi proposta após a vigência da Lei 13.467/2017. Contudo, em sessão realizada em 20/10/2021, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 5.766, reconheceu a parcial inconstitucionalidade dos dispositivos trazidos pela Lei nº 13.467/2017, notadamente aqueles que exigiam a cobrança de honorários sucumbenciais do beneficiário da justiça gratuita. Na ocasião, restou declarada a inconstitucionalidade dos arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT. Nesse sentido, uma vez que foi reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo de lei referenciado e deferida a gratuidade de justiça à parte reclamante pelas instâncias ordinárias, dá-se provimento ao apelo para afastar a condenação do reclamante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-432-10.2019.5.12.0029, 2ª Turma, Rel Min Maria Helena Mallmann, DEJT 27/05/2022).
"RECURSO DE REVISTA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - PRECEDENTE DO STF COM EFEITO VINCULANTE (ADI Nº 5.766) - TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA Acrescentado pela Lei nº 13.467/17, o § 4º do artigo 791-A da CLT admitia a imposição de honorários de sucumbência ao beneficiário da justiça gratuita. Todavia, ao julgar a ADI nº 5.766, o E. Supremo Tribunal Federal declarou o dispositivo inconstitucional. A questão, portanto, não comporta mais debate, diante dos efeitos vinculantes das teses firmadas pelo E. STF em ação de controle de constitucionalidade ou em repercussão geral reconhecida. Nesses termos, impõe-se a reforma do acórdão do Eg. TRT, que decidiu de modo contrário a esse entendimento. Recurso de Revista conhecido e provido" (RR-10140-28.2019.5.15.0053, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 06/05/2022).
"RECURSO DE REVISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ARTIGO 791-A, § 4º, DA CLT. AÇÃO PROPOSTA APÓS 11 DE NOVEMBRO DE 2017. TRANCENDÊNCIA RECONHECIDA. O art. 791-A, § 4º, introduzido na Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei nº 13.467/2017, dispõe que "Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário". Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5766/DF, em 20/10/2021, declarou a inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4º, da CLT, razão pela qual é indevido o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais por beneficiário da justiça gratuita, ainda que, em outro processo, obtenha créditos suficientes para suportar as obrigações decorrentes de sua sucumbência. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (Ag-RR-10170-34.2019.5. 15.0095, 5ª Turma, Rel Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 11/02/2022).
"RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Cuida-se de controvérsia acerca da possibilidade de condenação de empregado beneficiário da justiça gratuita em honorários advocatícios, tratando-se de reclamação trabalhista ajuizada após a vigência da Lei n.º 13.467/2017. 2. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.766, ocorrido em 20/10/2021, declarou a inconstitucionalidade do artigo 791-A, § 4º, da CLT, advindo da Lei n.º 13.467/2017. Assentou a Suprema Corte, naquela oportunidade, que a condenação de beneficiário da justiça gratuita em honorários advocatícios vulnera a assistência jurídica integral e gratuita devida pelo Estado em favor da parte hipossuficiente, em detrimento inclusive do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário. 3. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional, ao condenar a parte beneficiária da justiça gratuita em honorários advocatícios, com fundamento em dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, afrontou o artigo 5º, XXXV e LXXIV, da Constituição da República, resultando evidenciada a transcendência política da causa. 4 . Recurso de Revista conhecido e provido" (ARR-1000776-72.2018.5.02.0033, 6ª Turma, Rel Min Lelio Bentes Correa, DEJT 10/06/2022).
"RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. JUSTIÇA GRATUITA. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DOS PEDIDOS. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 791-A, § 4º, DA CLT. DECISÃO DO STF PROFERIDA NA ADI 5766/DF. Reconhecida a transcendência jurídica, nesse aspecto. O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento da ADI 5766/DF, em 20/10/2021 (Ata de Julgamento Publicada no DJE de 5/11/2021), declarou a inconstitucionalidade do artigo 791-A, § 4º, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017, que impõe ao beneficiário da justiça gratuita o pagamento de honorários de sucumbência. Assim, é indevido o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais por beneficiário da gratuidade de justiça, ainda que, em outro processo, obtenha créditos suficientes para suportar obrigações decorrentes de sua sucumbência. Precedentes do TST. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-10920-58.2019.5.15.0023, 7ª Turma, Rel Min Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 06/05/2022).
"RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. INCONSTITUCIONALIDADE. Em 20/10/2021, em sessão plenária, o E. STF julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ADI 5766, para "declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)". No caso, deferido o benefício da justiça gratuita ao reclamante, deve ser afastada a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-10598-89.2019.5.15.0006, 8ª Turma, Rel Min Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 18/02/2022).
Sucede que, publicado o acórdão principal do STF prolatado na ADI 5766, da lavra do Ministro Alexandre de Moraes, redator designado, e esclarecidos os pontos suscitados pela AGU nos Embargos de Declaração, verificou-se que a inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT não teve a extensão vislumbrada inicialmente pela jurisprudência desta Corte. Da leitura das decisões proferidas pelo STF na referida ADI, infere-se que a declaração de inconstitucionalidade abrangeu, em relação ao § 4º do art. 791-A da CLT, apenas a expressão "desde que não tenha obtido em Juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa".
Registrou o Eminente Ministro Alexandre de Moraes em seu voto que:
"Essa assistência judiciária ampla aos mais necessitados vem contemplada em nosso ordenamento jurídico não só pela instituição de órgãos públicos como a Defensoria Pública - voltada à prestação de serviços públicos -, mas também com tratamento diferenciado, com benefício - justo benefício - no tocante a ônus e encargos financeiros que decorrem do reconhecimento da justiça gratuita.
Isso existe não só na Justiça Trabalhista, como sabemos, mas também no âmbito da jurisdição comum. No âmbito da jurisdição comum, a Lei Federal 1.060/1950 disciplinou o tema da gratuidade judiciária, tratamento recentemente alterado pelo novo Código de Processo Civil. Reconhece-se ao hipossuficiente, condição afirmada pelo próprio beneficiário e tomada como presumivelmente verdadeira, a dispensa do pagamento de taxas judiciárias e honorários advocatícios e periciais.
Frise-se que essa dispensa não é absoluta. A Lei contempla a possibilidade de que o beneficiário da gratuidade de justiça, caso venha a reunir recursos financeiros suficientes no lustro posterior ao fim do processo, caso sucumbente, seja chamado a arcar com os encargos inicialmente dispensados (art. 11, § 2º). Não se trata, portanto, de isenção absoluta ou definitiva dos encargos do processo, mas mera dispensa da antecipação do pagamento (RE 249.003-ED, Rel. Min EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/2016), nos casos em que a antecipação de pagamento possa acabar frustando a possibilidade do hipossuficiente de recorrer à Justiça.
A partir desse desenho de conformação legislativa que o Congresso Nacional fez da previsão constitucional (art. 5º, LXXIV, da CF) da garantia da gratuidade aos que comprovarem insuficiência de recursos, a concessão de tratamento diferenciado somente se sustenta, por óbvio, quando permanece a situação de vulnerabilidade, hipótese essa que torna justa a concessão da assistência de quem dela necessite. Essa é a dinâmica, como disse, inclusive, da leitura do art. 98 do CPC.
[...]
Ou seja, deve ficar comprovado (e, aqui, acho importante, porque esse é o corte que farei também para a questão trabalhista) que aquela situação de vulnerabilidade não mais existe. Não algo matemático: era vulnerável, ganhou dois, tem de pagar um, então, fica com um, sem saber se o fato de ter recebido dois torna-o ou não vulnerável.
[...]
Parece-me importante verificar aqui se essa alteração - uma vez verificada que toda a estrutura da gratuidade, garantida constitucionalmente, exige a hipossuficiência, mas também, e mais importante, a cessação dessa gratuidade exige comprovação do término da hipossuficiência - feita pela Reforma Trabalhista foi razoável, foi proporcional, foi adequada. Ou seja, se, apesar das alterações, mantém-se o pleno acesso ao Poder Judiciário; se, apesar das alterações, mantém-se a proteção ao hipossuficiente que tem direito constitucional à justiça gratuita; ou se, por outro lado, aquele que entra na ação hipossuficiente, ganha, e continua hipossuficiente, mesmo assim perde o que ganha de forma automática, sem se demonstrar a hipossuficiência. (...).
[...]
Deve ser analisado se esses pontos foram tratados com razoabilidade: o pagamento de honorários periciais, mesmo do beneficiário da gratuidade da Justiça; a responsabilização da parte beneficiária pelos encargos da sucumbência na hipótese em que favorecida por condenação em outro processo (aqui uma compensação processual, uma detração, se fosse no campo penal; "você ganhou esse, cuidado para não entrar com aquele, porque, se perder aquele, você perde o que você ganhou nesse" - se isso for entendido como um obstáculo a pleitear seus direitos, parece-me que fere a Constituição); e pagamento de custas em caso de ausência injustificada à audiência de julgamento.
[...]
Nesse ponto, Presidente, já adianto que não entendo razoáveis os arts 790-B, § 4º, e 791-A, § 4º. Não entendo razoável a responsabilização nua e crua, sem análise se a hipossuficiência do beneficiário da justiça gratuita pelo pagamento de honorários periciais deixou ou não de existir, inclusive com créditos obtidos em outro processo. Da mesma forma, não entendo razoável e proporcional o pagamento de honorários de sucumbência pelo beneficiário da justiça gratuita, sem demonstrar-se que ele deixou de ser hipossuficiente, ou seja, essa compensação processual sem se verificar se a hipossuficiência permanece ou não.
A deferência de tratamento permitida pela Constituição se baseia exatamente nessa admissão de hipossuficiência. Simplesmente entender que, por ser vencedor em um outro processo ou nesse, pode pagar a perícia, e, só por ser vencedor no processo, já o torna suficiente, autossuficiente, seria uma presunção absoluta da lei que, no meu entendimento, fere a razoabilidade e o art. 5º, XXIV.
Os dois dispositivos, tanto o caput quanto os parágrafos, estão estabelecendo obstáculos à efetiva aplicação do art. 5º, LXXIV - repito:
"Art.5º .........................................................................
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;"
Uma eventual vitória judicial em outro ambiente processual não descaracteriza, por si só, a condição de hipossuficiência. Não há nenhuma razão para entender que o proveito econômico apurado no outro processo seja suficiente para alterar a condição econômica do jurisdicionado, em vista da infinidade de situações a se verificar em cada caso. Nessa hipótese em que se pretende utilizar o proveito de uma ação para arcar com a sucumbência de outro processo – uma ‘compensação’ –, o resultado prático é mitigar a sua vitória e manter a sua condição de hipossuficiência.
Ora, onde está a prova de que cessou a hipossuficiência para afastar os benefícios da justiça gratuita? A forma como a lei estabeleceu a incidência de encargos quanto a honorários de perícia e da sucumbência - como bem destacado pelo Ministro EDSON FACHIN em seu voto divergente, e também no parecer da Procuradoria-Geral da República - feriu a razoabilidade e a proporcionalidade e estipulam restrições inconstitucionais, inclusive pela sua forma absoluta de aplicação da garantia da gratuidade judiciária aos que comprovam insuficiência de recurso.
[...]
Em vista do exposto, CONHEÇO da Ação Direta e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão "ainda que beneficiária da justiça gratuita", constante do caput do art. 790-B; para declarar a inconstitucionalidade do § 4º do mesmo art. 790-B; declarar a inconstitucionalidade da expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", constante do § 4º do art. 791-A; para declarar constitucional o art. 844, § 2º, todos da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/2017.
É o voto". (grifos acrescidos)
Apresentados embargos de declaração pela AGU, estes foram julgados improcedentes em 21/06/2022, em razão do entendimento de perfeita congruência entre a decisão proferida no acórdão embargado e os pedidos formulados na peça inicial pelo Procurador-Geral da República.
Assim, especificamente em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, depreende-se dos acórdãos prolatados na ADI 5766 que o § 4º do art. 791-A da CLT passou a vigorar com a seguinte redação:
vencido o beneficiário da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado, esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Certo que a alteração da condição de hipossuficiência econômica do(a) trabalhador(a), ônus probatório do credor, não pode ser aquilatada a partir dos ganhos advindos de processo judicial. Assim, a modificação havida no § 4º do art. 791-A da CLT diz respeito à compreensão de que créditos judiciais – recebidos em qualquer processo – não são computáveis e não interferem na qualificação do obreiro como hipossuficiente. O estado de aptidão financeira do Reclamante deverá ser aferida – e provada pelo credor – por meio da existência de outros recursos financeiros alheios à percepção de créditos judiciais. Ademais, para a execução da obrigação, o credor tem o prazo de dois anos – após o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o seu direito às obrigações decorrentes da sucumbência – para produzir a prova que lhe compete, ficando os encargos do devedor, nesse interregno, sob condição suspensiva de exigibilidade. Após o transcurso desse prazo, extinguem-se as obrigações do beneficiário da justiça gratuita.
Nesse sentido, aliás, transcreve-se trecho dos fundamentos expendido na decisão proferida pelo STF, de relatoria da Ministra Rosa Weber, na Reclamação nº 51063, publicada em 10/01/2022, e confirmada pela 1ª Turma da Suprema Corte no julgamento do agravo regimental, publicado em 25/05/2022:
"(...) Decido.
1. A reclamação prevista nos arts. 102, I, l e 103-A, § 3º, ambos da Constituição Federal, é cabível nos casos de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, descumprimento de autoridade de decisão proferida no exercício de controle abstrato de constitucionalidade ou em controle difuso, desde que, neste último caso, se cuide da mesma relação jurídica e das mesmas partes, ou desobediência à súmula vinculante.
2. A questão jurídica controvertida na presente reclamação constitucional consiste na violação da autoridade da decisão do STF, proferida nas ADI’s 2.418 e 5.766.
3. (...)
4. A seu turno, ao julgamento da ADI 5.766, esta Suprema Corte declarou, por maioria, a inconstitucionalidade dos arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que exigiam a cobrança de honorários periciais e sucumbenciais do beneficiário da justiça gratuita. O Plenário assentou, também por maioria, a constitucionalidade do art. 844, § 2º, da CLT (ADI 5.766, Rel. Min. Roberto Barroso, Redator para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, Sessão de 20.10.2021, acórdão pendente de publicação).
Desse modo, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais cabe à parte sucumbente, sendo referidas despesas suportadas pela União se a parte for beneficiária da justiça gratuita.
Já no que diz com os honorários de sucumbência, restou mantida a suspensão da exigibilidade do pagamento da verba pelo prazo de dois anos, afastada a possibilidade de utilização de créditos obtidos em juízo, em processo diverso, capazes de suportar a despesa.
Importante registrar que a decisão proferida na ADI 5.766 tem aplicação imediata, ausente modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, na presente hipótese, reconhecida pela Instância Ordinária a qualidade de hipossuficiente econômico da Reclamante, com a concessão do benefício da justiça gratuita, a sua condenação ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais a incidirem sobre os créditos obtidos na presente ação ou em outro processo implica ofensa direta ao artigo 5º, XXXV, e LXXIV, da CF.
Em respeito à decisão proferida pelo STF na ADI 5766, reafirmada na decisão proferida em embargos de declaração, conclui-se que, em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, fica suspensa a exigibilidade do seu pagamento pela Reclamante, beneficiário da justiça gratuita, que somente poderá ser executado se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que certificou as obrigações decorrentes de sua sucumbência, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a referida obrigação da Reclamante. Repise-se que a alteração da condição de hipossuficiência econômica do(a) trabalhador(a), ônus probatório do credor, não se verifica pela percepção de créditos advindos de processos judiciais.
Ressalte-se que, em sentença, houve a condenação de ambas as Partes ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à Parte adversa, no importe de 5% (parâmetros não modificados pelo acórdão regional). Nada obstante, em função da elevação da condenação do Reclamado oriunda da presente decisão (horas extras), bem como considerando o trabalho adicional realizado pelo advogado da Reclamante em grau recursal (art. 85, § 11º, do CPC), o valor da condenação do Reclamado também deve sofrer majoração.
Ante todo o exposto, CONHEÇO do recurso de revista da Reclamante, no tema "honorários advocatícios sucumbenciais", por violação do artigo 5º, LXXIV, da CF.
II) MÉRITO
1) REGIME DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA EM ATIVIDADE INSALUBRE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES À SEGURANÇA E À SÁUDE DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 1º, III, 7º, VI, XIII, XIV, XXII, 170, "CAPUT", e 225. CONVENÇÃO 155 DA OIT. SÚMULA 85, VI/TST. DIREITO REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO
Conhecido o recurso de revista por violação do art. 60 da CLT, DOU-LHE PROVIMENTO, no aspecto, para condenar o Reclamado no pagamento integral das horas extras excedentes à 8ª diária e 44ª semanal, com adicional de no mínimo 50% e reflexos decorrentes, conforme se apurar em fase de liquidação de sentença e observados os limites da petição inicial.
2) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - ART. 791-A, § 4º, DA CLT INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. JULGAMENTO DA ADI-5766 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO: "DESDE QUE NÃO TENHA OBTIDO EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO, CRÉDITOS CAPAZES DE SUPORTAR A DESPESA"
Como consequência lógica do conhecimento do recurso por violação do art. 5º, LXXIV, da CF, DOU-LHE PROVIMENTO PARCIAL, no aspecto, para, nos termos da fundamentação, afastar a possibilidade de se utilizar créditos obtidos pela Reclamante, beneficiário da justiça gratuita, na presente ação ou em outro processo, como meio de custeio dos honorários advocatícios de sucumbência a que foi condenado pela instância ordinária, ficando suspensa a exigibilidade do pagamento da verba pelo obreiro, beneficiário da justiça gratuita, que somente poderá ser executado se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que certificou as obrigações decorrentes de sua sucumbência, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a referida obrigação da Reclamante.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade: I) dar provimento ao agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista; e II) conhecer do recurso de revista, por violação dos arts. 60 e 790-A, §4º, da CLT; e, no mérito, dar-lhe provimento para: a) condenar o Reclamado no pagamento integral das horas extras excedentes à 8ª diária e 44ª semanal, com adicional de no mínimo 50% e reflexos decorrentes, conforme se apurar em fase de liquidação de sentença e observados os limites da petição inicial; b) afastar a possibilidade de se utilizar créditos obtidos pela Reclamante, beneficiário da justiça gratuita, na presente ação ou em outro processo, como meio de custeio dos honorários advocatícios de sucumbência a que foi condenado pela instância ordinária, ficando suspensa a exigibilidade do pagamento da verba pelo obreiro, beneficiário da justiça gratuita, que somente poderá ser executado se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que certificou as obrigações decorrentes de sua sucumbência, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a referida obrigação da Reclamante; e c) condenar o Reclamado ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais à Obreira no importe de 15% do valor da presente condenação, ficando registrado, para fins de cálculo, um acréscimo condenatório no importe de R$10.000,00, com custas de R$200,00.
Brasília, 29 de março de 2023.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Mauricio Godinho Delgado
Ministro Relator
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