Data da publicação:
Seção Especializada em Dissídios Coletivos
Ives Gandra Martins Filho - TST
Dissídio coletivo de natureza jurídica. Pleito de natureza exclusivamente cominatória (suspensão das atividades presenciais durante a pandemia de Covid19). Inadequação da via eleita. Extinção sem resolução do mérito. Efeito ex tunc. Impossibilidade de cobrança de multas e outros consectários. OJ 7 da SDC do TST e art. 241, II, do RITST.
Resumo do voto.
Dissídio coletivo de natureza jurídica. Pleito de natureza exclusivamente cominatória (suspensão das atividades presenciais durante a pandemia de Covid19). Inadequação da via eleita. Extinção sem resolução do mérito. Efeito ex tunc. Impossibilidade de cobrança de multas e outros consectários. OJ 7 da SDC do TST e art. 241, II, do RITST.
Conforme já se posicionou a SDC, a excepcionalidade da pandemia de COVID-19 não justifica a utilização de dissídio coletivo de natureza jurídica para a imposição de obrigações às empresas e empregadores além daquelas já previstas em lei. No caso, o TRT da 3ª Região extinguiu o feito sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita, cassando a liminar que determinara a suspensão de atividades presenciais dos professores durante 30 dias em face da pandemia do Covid-19. Em casos tais, em que a extinção do processo, sem resolução do mérito, se dá por ausência insanável de pressuposto processual, como no caso de não subordinação do procedimento à lei, com reconhecimento da inadequação da via eleita, por não se ajustar a pretensão aos moldes do dissídio coletivo de natureza jurídica, tal como previsto no art. art. 241, caput e II, do RITST, na Orientação Jurisprudencial 7 da SDC, o exercício da jurisdição não pode gerar efeitos para as partes. Nesse sentido, reconhecida a inadequação da via eleita, a extinção do processo sem resolução do mérito se dá com efeitos ex tunc, não podendo o descumprimento das liminares gerar a aplicação ou cobrança de qualquer multa, nem os empregadores ficarem obrigados pelos ditames liminares quanto à prestação de serviços por parte de seus empregados. Sob esses fundamentos, a SDC, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Noroeste de Minas Gerais para declarar que a cassação da liminar deferida no presente feito se dá ex tunc, ou seja, desde a sua concessão.
RECURSOS ORDINÁRIOS EM DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA.
I) RECURSO DO SINDICATO DOS PROFESSORES - PLEITO EXORDIAL DE NATUREZA EXCLUSIVAMENTE COMINATÓRIA (SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES PRESENCIAIS DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19) – NÃO INVOCAÇÃO DE NENHUMA NORMA CONVENCIONAL OU LEGAL A SER INTERPRETADA – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 7 DA SDC DO TST E ART. 241, II, DO RITST – EXTINÇÃO DO FEITO PELO TRT - DESPROVIMENTO.
1. A Orientação Jurisprudencial 7 da SDC do TST dispõe que "não se presta o dissídio coletivo de natureza jurídica à interpretação de normas de caráter genérico, a teor do disposto no art. 313, II, do RITST".
2. O art. 241, caput e II, do atual RITST preceitua que os dissídios coletivos de natureza jurídica visam à interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos.
3. No caso, o Regional extinguiu o feito sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita, cassando a liminar que determinava a suspensão de atividades presenciais dos professores durante 30 dias em face da pandemia do Covid-19.
4. Em casos praticamente idênticos ao presente, a SDC já se posicionou no sentido de que a excepcionalidade da pandemia do COVID-19 não justifica a utilização de dissídio coletivo de natureza jurídica para a imposição de obrigações às empresas e empregadores além daquelas já previstas em lei.
5. Assim, merece ser mantida a decisão regional, nesse particular.
Recurso ordinário desprovido.
II) RECURSO DO SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO – EFEITO EX TUNC DA DECISÃO QUE EXTINGUE O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE MULTAS E OUTROS CONSECTÁRIOS – PROVIMENTO.
1. Se a extinção do processo, sem resolução do mérito, se dá por ausência insanável de pressuposto processual, como no caso de não subordinação do procedimento à lei, com reconhecimento da inadequação da via eleita, por não se ajustar a pretensão aos moldes do dissídio coletivo de natureza jurídica, tal como previsto no art. art. 241, caput e II, do RITST, na Orientação Jurisprudencial 7 da SDC e na jurisprudência pacífica dessa mesma Seção, então o exercício da jurisdição não pode gerar efeitos para as partes.
2. No caso, a liminar deferida em procedimento insanável teve caráter satisfativo, impondo obrigação por 6 meses, impedindo o funcionamento presencial das escolas mineiras não só com os professores pertencentes aos grupos de risco, mas com todo seu quadro docente. O adiamento da audiência de conciliação, a demora em se julgar o feito, a manutenção dos efeitos da liminar cassada são procedimentos que não se compadecem com a o exercício da jurisdição nos limites legais.
3. Esta SDC já se posicionou no sentido de que a pandemia do Covid-19 não é justificativa para o atropelo das normas legais e processuais, substituindo-se o julgador ao legislador ou às autoridades locais no estabelecimento de "lockdowns" ou outras medidas sanitárias que foram, como é público e notório, adotadas oportunamente por essas autoridades municipais ou estaduais.
4. Nesse sentido, reconhecida a inadequação da via eleita, a extinção do processo sem resolução do mérito se dá com efeitos ex tunc, não podendo o descumprimento das liminares gerar a aplicação ou cobrança de qualquer multa, nem os empregadores ficarem obrigados pelos ditames liminares quanto à prestação de serviços por parte de seus empregados. Recurso ordinário provido. (TST-ROT-10443-06.2020.5.03.0000, SDC, rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, 20/9/2021).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário Trabalhista n° TST-ROT-10443-06.2020.5.03.0000, em que é Recorrente e Recorrido SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - SINPRO e e é Recorrido SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO DA REGIAO SUDESTE DE MINAS GERAIS - SINEPE/SUDESTE,ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DO NORDESTE MINEIRO-SINEPE-NE-MG e Terceiro Interessado SOCIEDADE EDUCACIONAL UBERABENSE, COLÉGIO VIMASA S.A., ESTADO DE MINAS GERAIS, INSTITUTO METODISTA IZABELA HENDRIX, LAEL VARELLA EDUCAÇÃO E CULTURA LTDA., AMEC INSTITUTO DE EDUCACAO LTDA, SISTEMA ESCOLAPIO DE EDUCACAO, FUNDAÇÃO EDUCACIONAL LUCAS MACHADO - FELUMA, INSTITUTO DE ADMINISTRACAO & GESTAO EDUCACIONAL LTDA, FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA TRICORDIANA DE EDUCAÇÃO e FUNDAÇÃO PERCIVAL FARQUHAR SINDICATO DAS ESCOLAS PARTICULARES DE MINAS GERAIS, SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO DO SUL DE MINAS GERAIS, SINDICATO DAS ENTIDADES MANTENEDORAS DE ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO DO NORTE DE MINAS, SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DO TRIANGULO MINEIRO e SINDICATO DOS CURSOS LIVRES DE IDIOMAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS - SINDILIVRE-IDIOMAS/MG.
R E L A T Ó R I O
Contra o acórdão do TRT da 3ª Região, que extinguiu, sem resolução do mérito, o dissídio coletivo de natureza jurídica, suscitado pelo Sindicato dos Professores de Estado de Minas Gerais, por inadequação da via eleita (págs. 1.564-1.585), este interpôs recurso ordinário para o TST, postulando o restabelecimento da liminar anteriormente deferida, no sentido de "determinar que sejam suspensas as atividades desempenhadas pelos professores nas dependências das escolas da rede particular representada pelos Suscitados de 18 a 31 de março de 2020, sem prejuízo da remuneração", em face da pandemia do Covid-19 (págs. 1.635-1.659).
E contra o acórdão que acolheu seus primeiros embargos declaratórios apenas para prestar esclarecimentos e rejeitou os segundos (págs. 1.662-1.668 e 1.696-1.698), também recorreu ordinariamente o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Nordeste Mineiro, suscitando a preliminar de negativa de prestação jurisdicional quanto ao pagamento dos dias parados e postulando os efeitos Ex tunc da cassação da liminar deferida pela Relatora do dissídio coletivo no Regional, pois esta prevaleceu até 17 de setembro de 2020, além do afastamento das multas aplicadas por descumprimento da liminar (págs. 1.720-1.731).
Admitidos ambos os apelos (pág. 1.732), foram reciprocamente contra-arrazoados (págs. 1.745-1.780, 1.782-1.796 e 1.797-1.807), sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público, com lastro no art. 95, § 2º, do RITST.
É o relatório.
V O T O
A. RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO OBREIRO
I. CONHECIMENTO
Tempestivo o apelo, regular a representação e efetuado o preparo, dele CONHEÇO.
II. MÉRITO
A decisão regional, no que concerne ao desfecho final da demanda, está bem retratada em sua ementa:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM DISSÍDIO COLETIVO. DEFINIÇÃO DA ESPÉCIE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXTINÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. O entendimento prevalecente no âmbito desta Eg. Seção Especializada é de que o nomem iuris dado pelo sindicato suscitante ao Dissídio Coletivo o vincula como espécie e não pode o Juízo, de ofício, ajustar a apreciação deste à causa de pedir e ao pedido formulados. Desse modo, ao intitular a ação como sendo Dissídio Coletivo de Natureza Jurídica, ainda que a causa de pedir seja referente ao perigo de contágio de doença pelos empregados e o pedido formulado seja de suspensão do trabalho em razão de risco decorrente, o vício da petição inicial não pode ser suplantado pelo Juízo, revelando-se a inadequação da via processual eleita pelo sindicato suscitante e a impor a consequente extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV, do CPC (pág. 1.564).
O Sindicato Obreiro insiste na adequação do dissídio coletivo de natureza jurídica para a obtenção de tutela de urgência com determinação de obrigação de não fazer, consistente na suspensão das atividades presenciais de professores nos estabelecimentos de ensino durante a pandemia do Covid-19, de modo a assegurar-lhes o bem da vida e da saúde, devendo a Justiça do Trabalho acolher a pretensão emergencial.
Em casos praticamente idênticos, esta SDC entendeu que a excepcionalidade da pandemia do COVID-19 não justifica a utilização de dissídio coletivo de natureza jurídica para a imposição de obrigações às empresas além daquelas previstas em lei, podendo-se referir os seguintes precedentes:
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA - PLEITO EXORDIAL DE INTERPRETAÇÃO DE NORMA DE CARÁTER GERAL - PRETENSÕES DE CUNHO CONDENATÓRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 7 DA SDC DO TST E ART. 241, II, DO RITST . 1. A Orientação Jurisprudencial 7 da SDC do TST dispõe que "não se presta o dissídio coletivo de natureza jurídica à interpretação de normas de caráter genérico, a teor do disposto no art. 313, II, do RITST". 2. O art. 241, Caput e II, do atual RITST preceitua que os dissídios coletivos de natureza jurídica visam à interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos. 3. in casu, ao apreciar o presente dissídio coletivo de natureza jurídica, o Regional extinguiu o feito sem julgamento do mérito, por inadequação da via eleita, ao concluir que as pretensões do Sindicato tinha cunho condenatório e envolviam a interpretação de norma legal de caráter genérico. 4. Da análise dos autos, verifica-se que o presente dissídio coletivo de natureza jurídica não visa à interpretação de cláusulas de instrumentos de negociação coletiva (acordos e convenções coletivas), conforme se infere dos pedidos deduzidos no rol exordial, mas à aplicação de normas legais de caráter genérico, postulando-se medidas relacionadas à pandemia causada pela Covid-19, quais sejam, a suspensão das atividades da empresa e a liberação dos funcionários para a quarentena, o fornecimento de equipamentos de proteção individual, o fornecimento de álcool gel e produtos para higienização, a liberação das atividades presenciais dos trabalhadores considerados de grupo de risco, a garantia de integridade física dos metroviários, o direito ao isolamento por no mínimo 14 dias aos trabalhadores que apresentarem sintomas gripais e fixação de multa de R$ 500.000,00 por descumprimento das obrigações estabelecidas. 5. É nítido que o Sindicato autor objetiva a interpretação de normas de caráter geral, quais sejam, da Lei 13.979/20 e da Orientação do Ministério da Saúde e Nota Técnica 02/2020, a par de os pedidos formulados possuírem caráter nitidamente condenatório, o que não se compatibiliza com a via eleita, à luz da Orientação Jurisprudencial 7 da SDC desta Corte e do art. 241, Caput e II, do RITST. 6. Desse modo, ante a inadequação da via eleita, não merece reforma o acórdão regional. Recurso ordinário desprovido (ROT-1000774-36.2020.5.02.0000, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT 22/04/21 – grifos nossos).
RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA. FORNECIMENTO DE EPI. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROVIMENTO. Cinge-se a controvérsia em definir o cabimento do Dissídio Coletivo de natureza jurídica, no qual a parte suscitante postula a condenação das empresas ao fornecimento de EPIs e a afastarem os seus empregados que façam parte de grupo de risco, em razão da pandemia da COVID-19. É cediço que as hipóteses de cabimento do dissídio coletivo de natureza jurídica estão previstas no artigo 241, II, do RITST. Examinando este dispositivo, depreende-se que a aludida ação tem por finalidade exclusiva proceder à interpretação de instrumentos de negociação coletiva e enunciados normativos, destinados a regular, de forma particular e específica, os interesses da categoria profissional ou econômica. Este, inclusive, é o entendimento consolidado na Orientação Jurisprudencial nº 7 desta SDC. Na hipótese, conquanto o suscitante tenha invocado dispositivos de instrumentos de negociação coletiva firmados com os suscitados, a sua pretensão não vem calcada na necessidade de a eles ser conferida intepretação, já que não alega a existência de qualquer divergência em sua aplicação. Verifica-se que, a bem da verdade, a parte autora postula a condenação das empresas em obrigação de fazer, em razão de estas serem obrigadas ao fornecimento de equipamentos de proteção individual, ante a previsão nas "normas regulamentadoras", nas CCTs firmadas com os demandados e nos dispositivos de lei e da Constituição Federal, considerando o fato de os trabalhadores estarem expostos ao risco de serem contaminados pelo novo coronavírus. A parte, portanto, não formulou pedido de interpretação de norma autônoma e nem, tampouco, heterônoma, específica da categoria por ele representada. O seu pedido, tal como examinado, destina-se à obtenção de provimento de natureza mandamental, decorrente da indiscutível obrigação de os empregadores garantirem meio-ambiente de trabalho adequado aos seus empregados e de fornecerem equipamentos de proteção, a teor dos artigos 157 e 166 da CLT e do artigo 7º, XX, da Constituição Federal. É inequívoca, portanto, a relevância da postulação e a necessidade de serem garantidas aos trabalhadores condições adequadas de trabalho, ainda mais considerando a exposição a que os profissionais da categoria profissional aqui representada estão submetidos durante a pandemia. Não se pode olvidar, entretanto, que o demandante não se utilizou do meio adequado para tanto, de modo que este óbice processual não pode ser superado para o exame de mérito da pretensão deduzida no presente feito. É evidente, portanto, que a pretensão do recorrente não se enquadra nas hipóteses de cabimento do Dissídio Coletivo de natureza jurídica, previstas no Regimento Interno desta Corte e consagradas pela jurisprudência. Nesse contexto, deve o presente feito ser extinto, sem resolução do mérito, ante a inadequação da via eleita. Recurso ordinário a que se dá provimento (ROT-1000924-17.2020.5.02.0000, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 21/05/21 – grifos nossos).
No mesmo sentido seguem outros precedentes sobre dissídios coletivos de natureza jurídica para imposição de obrigações de fazer relativas ao Covid-19: ROT-10481-18.2020.5.03.0000, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 22/04/21; ROT-10593-84.2020.5.03.0000, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 22/04/21; ROT-1001830-07.2020.5.02.0000, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 22/04/21; ROT-10819-89.2020.5.03.0000, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT; ROT-10594-69.2020.5.03.0000, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 07/01/21.
Com efeito, nos termos do art. 241, caput e II, do RITST, os dissídios coletivos de natureza jurídica visam à interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos. Assim, têm natureza declaratória, não se prestando para impor obrigações de fazer ou não fazer, nem tampouco condenar ou constituir, pois não tem natureza cominatória, condenatória ou constitutiva.
Nesse sentido, também esclarece a Orientação Jurisprudencial 7 da SDC do TST que "não se presta o dissídio coletivo de natureza jurídica à interpretação de normas de caráter genérico, a teor do disposto no art. 313, II, do RITST".
No caso dos autos, a pretensão foi de natureza cominatória, com imposição de obrigação de fazer, sob pena de multa, o que não se enquadra nos moldes estritos declaratórios, com base em interpretação, do dissídio coletivo de natureza jurídica, daí sua correta extinção com base no art. 485, IV, do CPC, pelo TRT mineiro.
Pelo exposto, correta, no aspecto, a decisão regional, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário obreiro.
B. RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO PATRONAL
I. CONHECIMENTO
Tempestivo o apelo, regular a representação e efetuado o preparo, dele CONHEÇO.
II. MÉRITO
Nos termos do art. 282, § 2º, do CPC, como é possível decidir o mérito a favor da parte que arguiu a nulidade, deixo de acolher a preliminar de negativa de prestação jurisdicional, passando diretamente ao mérito do recurso patronal.
O cerne da questão trazida a esta Corte, no recurso ordinário do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino, diz respeito aos efeitos da extinção de dissídio coletivo de natureza jurídica por inadequação da via eleita.
O dissídio coletivo em tela foi ajuizado em 13/03/20, formulando apenas pedidos de natureza cominatória, em caráter de urgência, referentes ao afastamento das atividades presenciais de todos os professores (ou, sucessivamente, dos pertencentes aos grupos de risco), pelo prazo mínimo de 30 dias, com garantia de seus salários, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (págs. 36-38).
A Relatora do dissídio coletivo deferiu a liminar postulada, no dia 16/03/20, nos seguintes termos:
Seguindo essas orientações e, considerando a estreita relação estabelecida diariamente entre alunos e professores, permeada pelo necessário contato direto, além da inevitável aglomeração nos ambientes escolares, defiro, parcialmente, a medida liminar para determinar que sejam suspensas as atividades desempenhadas pelos professores nas dependências das escolas da rede particular representada pelos Suscitados de 18 a 31 de março de 2020, sem prejuízo da remuneração, período que poderá vir a ser modificado na hipótese de comprovada alteração dos fatos.
Registro que a compensação dos dias não trabalhados deverá ser negociado, oportunamente, entre as partes.
Ressalto que, tendo em vista as referidas Portarias deste Tribunal, deixo de designar, por ora, audiência de conciliação, tal como previsto no art. 860 da CLT.
Concedo aos Suscitados o prazo de 08 dias para apresentação de contestação.
Havendo desobediência da Ordem Judicial ou atos que dificultem o seu cumprimento por quaisquer das partes, incidirá multa diária no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (págs. 269-270 – grifos nossos).
O Regional só veio a julgar o dissídio coletivo em 17/09/20, reconhecendo a inadequação da via eleita, mas assentando que "ficam revogadas as liminares deferidas no presente processo a partir deste julgamento" (pág. 1.582).
Ora, se a extinção do processo, sem resolução do mérito, se dá por ausência insanável de pressuposto processual, no caso, a subordinação do procedimento à lei, que resultou no reconhecimento da inadequação da via eleita, por não se ajustar a pretensão aos moldes do dissídio coletivo de natureza jurídica, tal como previsto no art. art. 241, caput e II, do RITST, na Orientação Jurisprudencial 7 da SDC e na jurisprudência pacífica dessa mesma Seção, então o exercício da jurisdição não pode gerar efeitos para as partes.
No caso, a liminar deferida em procedimento insanável teve caráter satisfativo, impondo obrigação por 6 meses, impedindo o funcionamento presencial das escolas mineiras não só com os professores pertencentes aos grupos de risco, mas com todo seu quadro docente.
O adiamento da audiência de conciliação, a demora em se julgar o feito, a manutenção dos efeitos da liminar cassada são procedimentos que não se compadecem com a o exercício da jurisdição nos limites legais.
Esta SDC já se posicionou, conforme precedentes supra referidos, que a pandemia do Covid-19 não é justificativa para o atropelo das normas legais e processuais, substituindo-se o julgador ao legislador ou às autoridades locais no estabelecimento de "lockdowns" ou outras medidas sanitárias que foram, como é público e notório, adotadas oportunamente por essas autoridades municipais ou estaduais.
Nesse sentido, reconhecida a inadequação da via eleita, a extinção do processo sem resolução do mérito se dá com efeitos ex tunc, não podendo o descumprimento das liminares gerar a aplicação ou cobrança de qualquer multa, nem os empregadores ficarem obrigados pelos ditames liminares quanto à prestação de serviços por parte de seus empregados.
Como os fatos objeto do presente processo se deram no período mais acirrado da pandemia, com o afastamento dos professores ocorrendo não apenas em razão da liminar, mas eventualmente das normas expedidas pelas autoridades sanitárias locais sobre confinamento, caberá aos empregadores acertarem com seus respectivos empregados as formas e modos de compensação dos dias parados, a bem da continuidade da atividade educacional.
Nesses termos, DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário patronal, para declarar que a cassação da liminar deferida no presente feito se dá ex tunc, ou seja, desde a sua concessão.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – negar provimento ao recurso ordinário do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais; II – dar provimento ao recurso ordinário do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Noroeste de Minas Gerais, para declarar que a cassação da liminar deferida no presente feito se dá ex tunc, ou seja, desde a sua concessão.
Brasília, 20 de setembro de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
Ministro Relator
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