TRT 02/SP - REVISTAS 0025 - 2021

Data da publicação:

Acordão - TRT

Antero Arantes Martins - TRT/SP



Força maior. Pandemia da Covid-19. Força Maior. Supressão de direitos rescisórios. Necessidade de demonstração do enquadramento na hipótese legal.



PROCESSO TRT/SP n. 1000709-32.2020.5.02.0391

RECURSO ORDINÁRIO DA VARA DO TRABALHO DE POÁ

RITO SUMARÍSSIMO

RECORRENTE: EMBRARE REFEICOES E SERVICOS LTDA - ME

RECORRIDO: CICERO JOSE DA SILVA

RELATOR: ANTERO ARANTES MARTINS

EMENTA

Força maior. Pandemia da Covid-19. Força Maior. Supressão de direitos rescisórios. Necessidade de demonstração do enquadramento na hipótese legal.

O art. 1º da MP 927/2020 estabelecia que, para fins trabalhistas, o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n° 6 constitui hipótese de força maior de que trata o art. 501 da CLT. Entretanto, a situação de força maior não autoriza automaticamente a supressão de direitos rescisórios. É preciso que o empregador comprove o enquadramento de sua situação fática na hipótese capitulada no art. 502 da CLT (extinção da empresa ou do estabelecimento em que trabalha o empregado), específico para a hipótese de ruptura contratual. O art. 503 da CLT (prejuízos devidamente comprovados) refere-se à hipótese diversa (redução de salários e jornada). Ainda que assim não fosse, tais prejuízos não foram provados nos autos.

RELATÓRIO

Dispensado o relatório, nos termos do art. 852-I da CLT.

FUNDAMENTAÇÃO

V O T O

1. Admissibilidade.

O apelo é tempestivo, foi interposto por patrono devidamente constituído nos autos (Id. 43bb65c) e preparado corretamente (depósito recursal - Id. 6fa072d e custas - Id. 2003af2).

Conheço do recurso interposto.

2. Mérito.

2.1. Verbas rescisórias. Força maior.

Insurge-se a reclamada contra a r. sentença que deferiu ao autor as diferenças de pagamento de aviso prédio e multa fundiária. Alega a ré que que não efetuou o pagamento integral das verbas rescisórias em razão da grave crise econômica causa pela pandemia COVID 19. Afirma, ainda, que a rescisão do contrato de trabalho do autor ocorreu por força maior e invoca a aplicação da Medida Provisória nº 927/2020 e dos artigos 501 e 502 da CLT.

Sem razão.

O art. 1º da MP 927/2020 estabelecia que, para fins trabalhistas, o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n° 6 constitui hipótese de força maior de que trata o art. 501 da CLT.

Entretanto, a situação de força maior não autoriza automaticamente a supressão de direitos rescisórios. É preciso que o empregador comprove o enquadramento de sua situação fática na hipótese capitulada no art. 502 da CLT (extinção da empresa ou do estabelecimento em que trabalha o empregado), específico para a hipótese de ruptura contratual.

O art. 503 da CLT (prejuízos devidamente comprovados) refere-se à hipótese diversa (redução de salários e jornada). Ainda que assim não fosse, tais prejuízos não foram provados nos autos.

Com efeito, a Medida Provisória nº 927 de 22 de março de 2020, que vigorou até 19/07/2020, previa medidas para o enfrentamento da crise econômica e sobre o estado de calamidade pública provenientes da pandemia do coronavírus.

O art. 1º da MP 927/2020 previa:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. (sem grifos no original)

O art. 501 da CLT estabelece:

Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.

§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo. (sem grifos no original)

 A previsão contida no art. 501 da CLT se aplica para ruptura contratual quando o empregador demonstra, no caso concreto, ter suportado uma das consequências previstas no artigo 502 da CLT, que estabelece:

Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresaou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;

II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;

III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade. (sem grifos no original)

Não ocorrendo extinção da empresa ou, ao menos, a extinção do estabelecimento em que trabalhava o empregado, não é possível falar em redução de verbas rescisórias.

Para a hipótese de ruptura contratual aplica-se o art. 502 da CLT e não o art. 503 consolidado.

Entretanto, ainda que assim não fosse, o referido art. 503 assim estabelece:

Art. 503 - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região. (sem grifos no original)

 Cumpre destacar que a alegada redução das atividades presenciais não implica o reconhecimento imediato de redução da atividade empresarial, cabendo à ré demonstrar a existência de prejuízos devidamente comprovados, não bastando a mera presunção ou ilação no sentido de que tais fatos ocorreram.

O art. 503 da CLT supra transcrito tem o cuidado de estabelecer que os prejuízos devem ser "devidamente comprovados".

A situação econômica e financeira da pessoa jurídica é demonstrada por meio de livros contábeis e outros documentos oficiais.

Portanto, a crise financeira alegada pela ré não se configura apta a reduzir os direitos do reclamante. Nego provimento.

2.2. Multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT.

Incontroverso nos autos que a reclamada não quitou as verbas rescisórias no prazo legal e, tampouco pagou, por ocasião da primeira audiência, as verbas incontroversas da rescisão, fato inclusive reconhecido nas razões recursais.

Assim, devidas as multas dos artigos 467 e 477 § 8º da CLT. Mantenho.

3. Mérito. Contrarrazões do reclamante.

3.1. Honorários sucumbenciais.

O MM. Juízo de origem fixou os honorários do advogado do reclamante no importe de 5% do valor da condenação.

O autor pretende a majoração do percentual aplicado pelo Magistrado a quo.

Sem razão. O artigo 791-A da CLT permite que os honorários de sucumbência sejam fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Em seguida o parágrafo 2º do mesmo artigo dispõe que, ao fixar os honorários, o juízo observará: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa e IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Entendo que o percentual aplicado pelo MM. Juízo de origem observou devidamente as terminações do parágrafo 2º acima citado. Mantenho.

3.2. Multa por litigância de má fé.

Não considero que a hipótese enseja dano processual por litigância de má-fé, visto que a ré não buscou alterar maliciosamente a verdade dos fatos em juízo, mas, sim, deixou de aplicar corretamente a legislação trabalhista, no âmbito da relação jurídica material.

Vale dizer, a alegação de fraude foi de ordem material, e não processual.

ACÓRDÃO

DO EXPOSTO,

ACORDAM os Magistrados da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em CONHECER do recurso ordinário interposto pela reclamada e, e, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos da fundamentação do voto do Relator, mantendo-se integralmente a r. sentença recorrida.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que, em sessão  extraordinária virtual realizada nesta data, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, julgando o presente processo, resolveu: por unanimidade de votos, CONHECER do recurso ordinário interposto pela reclamada e, e, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos da fundamentação do voto do Relator, mantendo-se integralmente a r. sentença recorrida.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador WILSON FERNANDES.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. ANTERO ARANTES MARTINS,  WILSON FERNANDES  e WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA. 

Relator: o Exmo. Desembargador  ANTERO ARANTES MARTINS

Revisor: o  Exmo. Desembargador WILSON FERNANDES

São Paulo, 12 de novembro de 2020.

Priscila Maceti Ferrarini

Secretária da 6ª Turma

ANTERO ARANTES MARTINS

Relator

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