Data da publicação:
Acordão - TST
Maria Helena Mallmann - TST
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO AJUIZADA PELOS PAIS DO RECLAMANTE. ACIDENTE DE TRABALHO COM MORTE. CONTRATAÇÃO E PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE VIGIA EM LOCAL DIVERSO DO DOMICÍLIO DOS PAIS DO RECLAMANTE. AÇÃO DE NATUREZA CIVIL. DANO MORAL EM RICOCHETE. PROTEÇÃO DO HIPOSSUFICIENTE.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO AJUIZADA PELOS PAIS DO RECLAMANTE. ACIDENTE DE TRABALHO COM MORTE. CONTRATAÇÃO E PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE VIGIA EM LOCAL DIVERSO DO DOMICÍLIO DOS PAIS DO RECLAMANTE. AÇÃO DE NATUREZA CIVIL. DANO MORAL EM RICOCHETE. PROTEÇÃO DO HIPOSSUFICIENTE. A ação originária trata de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho que resultou na morte do empregado. O empregado foi contratado como vigia para trabalhar na reclamada, localizada na cidade de Boa Vista – RR, e foi assassinado enquanto fazia a segurança da empresa. Os pais do empregado moram no município de Jaguaruna – CE e ajuizaram a ação no juízo cível com jurisdição onde estão domiciliados (Vara Única da Comarca de Jaguaruana na jurisdição), o qual declinou da competência para a Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte– CE. Esclareça-se que logo após a Emenda Constitucional nº 45/2004, o STF decidiu que as ações que tratassem de dano moral ou patrimonial decorrente de acidente de trabalho seriam da competência da Justiça Comum Estadual. Tal posicionamento, entretanto, ocasionou insatisfação aos magistrados e demais profissionais da área jurídico-trabalhista. E, ao apreciar conflito de competência (Código Civil nº 7.204), o STF deu nova formulação, no sentido de que compete à Justiça do Trabalho apreciar as ações de indenização com origem em acidente de trabalho, independentemente de terem sido ajuizadas pelo próprio empregado ou por seus sucessores. A intenção do legislador, ao fixar a competência territorial na Vara do Trabalho onde houve a prestação de serviços (artigo 651, caput, da CLT), foi facilitar ao trabalhador o ingresso de ações. Referido dispositivo, no entanto, comporta exceções e deve ser interpretado juntamente com os princípios constitucionais da isonomia e de amplo acesso ao Judiciário (artigo 5º, caput e XXXV, da Constituição Federal), bem como o princípio da proteção do trabalhador. Saliente-se ainda que o processo do trabalho segue a mesma tendência de outros ramos do direito no sentido de proteger o hipossuficiente, como é o que ocorre nas relações de consumo e ações de alimentos, por exemplo. In casu, a ação foi proposta pelos pais do trabalhador (dano moral em ricochete ou reflexo) e possui natureza exclusivamente civil, pois pleiteiam tão somente indenização por danos morais e materiais pelo acidente de trabalho que acarretou na morte do empregado. Além disso, nas ações de reparação civil, faculta-se ao autor ajuizar a ação tanto perante o foro de seu domicílio quanto no do local onde ocorreu o dano (artigo 53, III, do novo CPC). Desta forma, não se mostra sensato que os idosos pais do empregado tenham que se deslocar do interior do Ceará para discutir e pleitear na cidade de Boa Vista – RR ressarcimento pela dor da perda do filho na eventual constatação de culpa da empresa reclamada. Por fim, conforme consignado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Boa vista – RR: "... não se vislumbra qualquer prejuízo a reclamada no tocante à tramitação da reclamatória no domicílio dos autores, porquanto, diferentemente daqueles, dispõe de recursos para desencadear sua defesa, como aliás o fez junto à Justiça Comum". Precedentes. Conflito de competência admitido para declarar a competência da 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista/RR. (TST-CC-11273-35.2013.5.11.0051, Maria Helena Mallmann, DEJT 19/12/2016)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência n° TST-CC-11273-35.2013.5.11.0051, em que é Suscitante JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE BOA VISTA e Suscitado(a) JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE LIMOEIRO DO NORTE/CE.
Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista (TRT da 11ª Região) em face do Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte/CE (TRT da 7ª Região), por entender pela aplicação do parágrafo único do artigo 100 do CPC/1973, "segundo o qual nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato" (fl. 357).
Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
1 - CONHECIMENTO
Estabelecida a discordância entre órgãos jurisdicionais trabalhistas quanto à competência para o processamento da execução, admito o presente conflito de competência, à luz do art. 71, III, "b", 2, do Regimento Interno desta Corte.
2 – MÉRITO
2.1 - RECLAMAÇÃO AJUIZADA PELOS PAIS DO RECLAMANTE - ACIDENTE DE TRABALHO COM MORTE - CONTRATAÇÃO E PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE VIGIA EM LOCAL DIVERSO DO DOMICÍLIO DOS PAIS DO RECLAMANTE
Os pais de José Ailson Rebouças ajuizaram ação de indenização por acidente de trabalho contra a empresa Citel Com. Mat. P. Const. Ltda. perante a Vara Única da Comarca de Jaguaruana/CE (fls. 06-14).
O Juízo de Direito da Comarca de Jaguaruana/CE declarou-se absolutamente incompetente e declinou a competência em favor da Justiça do Trabalho com jurisdição naquela comarca (Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte/CE – Posto Avançado de Aracati/CE).
A Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Aracati/CE declinou de sua competência em favor de uma das Varas do Trabalho da Cidade de Boa Vista (RR), sob a seguinte fundamentação a fls. 314-316:
"VISTOS ETC
NICÁCIO REBOUÇAS DE OLIVEIRA E RAIMUNDA GONÇALVES DE OLIVEIRA ajuizaram ação de indenização decorrente de acidente de trabalho perante o Juiz de Direito da Comarca de Jaguaruana - Ce, em face de CITEL COMERCIAL LTDA, informando que JOSÉ AILSON REBOUÇAS, filho dos reclamantes, manteve relação de emprego com a Reclamada por mais de 14 (quatorze) anos, vindo a falecer em 21.12.2003, sendo assassinado no local de trabalho, em Boa Vista - Roraima, quando fazia a segurança do estabelecimento, razão pela qual requerem, considerando os fatos e fundamentos expostos, o pagamento de indenização por danos materiais e morais, tudo de acordo com a inicial de fls. 02/10, juntando documentos.
A Reclamada apresentou a contestação de fls. 35/56, juntando documentos.
Os Reclamantes suscitaram exceção de incompetência em razão da matéria, conforme petição de fls. 119/120, com manifestação às fls. 122/123 sobre a defesa apresentada.
Acolheu o Juiz de Direito da Comarca de Jaguaruana - Ge a exceção de incompetência, determinando a remessa dos autos para esta Vara do Trabalho de Aracati - Ce, nos termos da decisão de fls. 134/136.
Recebidos os autos e incluído o feito em pauta, conforme despacho de fl. 144.
Revogada a decisão de fl. 180, quanto a aplicação da pena de revelia à Reclamada, com expedição de nova notificação, conforme fls. 258 e 263.
A Reclamada suscitou exceção de incompetência em razão do local, nos termos da petição de fls. 371/319, sem manifestação dos Reclamantes, por seu Advogado, no prazo legal.
Autos conclusos para julgamento.
Com razão a Reclamada, considerando que o exempregado JOSÉ AILSON REBOUÇAS, filho dos Reclamantes, foi contratado pela Reclamada na Cidade de Boa Vista - RR, onde prestou serviços, aplicando-se ao caso em espécie o Art. 651, caput, da CLT, sendo irrelevante o objeto da pretensão posta em juízo.
A única hipótese para o ajuizamento de reclamação no domicílio do ex-empregado é a prevista no Art. 651, § 1°, da CLT, inaplicável ao caso em espécie.
Ainda que os Reclamantes apresentem pretensão fundada em direito próprio, como genitores do ex-empregado falecido, o fato em si não altera a conclusão supra, quanto à aplicação do Art. 651, caput, da CLT, por falta de previsão legal no texto consolidado trabalhista, que assegure aos autores foro privilegiado para o ajuizamento de reclamação trabalhista, ainda que formulem pedido de indenização decorrente de acidente de trabalho, em benefício dos mesmos, como herdeiros do exempregado vítima do sinistro noticiado nos autos.
Assim, acolho a exceção de incompetência, com aplicação do Art. 651, caput, da CLT, e determino a remessa dos autos a uma das Varas do Trabalho da Cidade de Boa Vista - Roraima, a quem compete instruir e julgar a presente lide.
Adote a Secretaria da Vara as providências necessárias". (fls. 314-315).
Remetidos os autos à 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista (RR), a MM. Juíza do Trabalho suscitou este conflito de competência, asseverando a fls. 349-358:
Vistos, etc.
Cuida-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO proposta por NICÁCIO REBOUÇAS DE OLIVEIRA e RAIMUNDA GONÇALVES DE OLIVEIRA em face da sociedade empresária CITEL COMERCIAL LTDA., na qualidade de genitores do "de cujus" José Ailson Rebouças, falecido na data de 21.12.2003, no exercício da atividade laboral, no Município de Boa Vista do Estado de Roraima.
Analisando detidamente os autos eletrônicos, vê-se que os autores fixaram domicílio no Município de Jaguaruana do Estado do Ceará, onde ajuizaram a referida ação, no caso, perante à Justiça Comum Estadual (Vara Única da Comarca de Jaguaruana do Estado do Ceará), sendo que após veiculada a defesa mediante contestação, houve a Vara Única da Comarca de Jaguaruana do Estado do Ceará por declinar de ofício da competência para a causa em favor da Justiça do Trabalho com jurisdição sobre aquela Comarca (1ª Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte – Posto Avançado de Aracati) por força da EC/45.
Notificada, houve a ré por arguir a incompetência relativa da Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte – Posto Avançado de Aracati do Estado de Roraima, por força do disposto no art. 651 da CLT, porquanto teria o "de cujus" prestado serviços no Município de Boa Vista do Estado do Ceará, o que foi acolhido pela Vara do Trabalho de Aracati do Estado do Ceará, sendo os autos remetidos à Justiça do Trabalho da 11ª Região (AM/RR), distribuída à 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista do Estado de Roraima.
À análise.
Como é cediço, a demanda trabalhista deve ser proposta, em regra, na localidade em que o empregado tenha prestado sua força de trabalho, conforme disposto no ar. 651 da CLT.
Ocorre que o aludido dispositivo deve ser analisado levando-se em conta o comando encartado no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988, no sentido de que seja albergado, até as últimas consequências, o princípio do livre acesso à Justiça e, sobretudo, o princípio da isonomia.
Nessa perspectiva tem-se que exigir dos genitores do falecido trabalhador a propositura da ação na Comarca de Boa Vista do Estado de Roraima, malgrado terem fixado domicílio no longíquo Município de Jaguaruana do Estado do Ceará, tem por condão ferir de morte os citados princípios constitucionais.
Ora, não se vislumbra qualquer prejuízo a reclamada no tocante à tramitação da reclamatória no domicílio dos autores, porquanto, diferentemente daqueles, dispõe de recursos para desencadear sua defesa, como aliás o fez junto à Justiça Comum.
Vale lembrar aqui a máxima: a igualdade consiste em tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida em que se desigualam.
A igualdade preconizada pela Constituição Federal de 1988, no caso dos autos, no ponto em análise (competência territorial), somente restará satisfeita se afastado o mandamento celetista, para dar lugar ao dispositivo constitucional.
Sobre a mitigação do instituto da competência territorial em favor do trabalhador, traz-se à colação a seguinte doutrina, que se ajusta com acurada harmonia ao caso em exame:
‘Recente doutrina se manifesta nos seguintes termos: Dentro do direito de acesso do trabalhador à Justiça, já é de se interpretar que ele tem o direito de reclamar no foro da sede da empresa, do estabelecimento ou no do seu domicílio, a exemplo do § 1º do art. 651 da CLT e do Direito Comum em relação ao peticionante de alimentos[1].
Aliás, a doutrina já marchava no sentido de privilegiar o acesso à Justiça pelo trabalhador[2], verbis:
A disposição do § 3º do art. 651 (...) é a que melhor espelha o sentido do critério da fixação da competência ratione loci no Processo do Trabalho: facilitar ao litigante economicamente mais fraco o ingresso em juízo de condições mais favorável à sua defesa, seja qual for sua posição processual.
Podemos extrair da doutrina, ainda, que a orientação geral é a de facilitar o acesso do jurisdicionado ao órgão jurisdicional, considerando a insuficiência econômica do trabalhador: se este tivesse que percorrer longas distâncias para mover ação, ficaria praticamente impossibilitado de fazê-lo, por não poder enfrentar as despesas de transporte. Assim presumindo o legislador que o trabalhador resida perto do local em que presta serviços, foi adotado, como regra, o critério da competência do órgão com jurisdição sobre o local da execução do contrato de trabalho. Há exceções...[3].
Sobre a matéria em análise, trazemos a lume trabalho doutrinário, que merece ser transcrito, conquanto longa a transcrição, pelo que pedimos escusas desde logo, verbis:
O objetivo do presente trabalho é tentar demonstrar que o art. 651 da CLT, que estabelece a competência das Varas do Trabalho, não tem recebido da doutrina e dos tribunais a interpretação mais justa e conveniente, que atenda ao fim a que se presta tal norma, qual seja, beneficiar o empregado, normalmente a parte mais fraca na relação de emprego.
O Direito do Trabalho é eminentemente protetivo. E o disposto no art. 651 não fugiu à regra geral de proteção. Dessa forma, ao estabelecer que a reclamação deve ser proposta na localidade onde o empregado prestou serviço, o fez em benefício do trabalhador, entendendo que no último local da prestação de serviço este teria mais facilidade para realizar as provas do seu direito. Entretanto, se o empregado entender que juízo diverso daquele atenderá melhor aos seus interesses, nada impedirá que lá demande seu empregador pois, se a regra do artigo em comento é para favorecer o obreiro, não deve ser aplicada quando lhe for prejudicial.
Portanto, se o trabalhador for obrigado, em algumas situações, a demandar seu empregador na localidade da prestação de serviços, restará vulnerado o princípio constitucional da isonomia, emergindo situações de total desequilíbrio entre as partes.
Por diversas circunstâncias o empregado apresenta sua reclamação trabalhista em face do empregador em localidade diferente daquela na qual prestou serviços. O empregador se defende alegando exceção de incompetência, o que é acolhido pela Vara do Trabalho, com fundamento no art. 651 da CLT.
Todavia, essa denegação de competência, ao nosso sentir, não se coaduna com a moderna tendência do Direito, a qual visa assegurar a todos a facilidade de acesso ao Poder Judiciário.
Imagine-se um empregado contratado no Estado de São Paulo para prestar serviços em uma certa empresa no Estado do Piauí. Em razão da contratação o empregador fornece-lhe moradia. Rescindido o contrato de trabalho, desocupa o imóvel e retorna ao seu Estado natal. Se for obrigado a se deslocar de seu Estado de origem para propor reclamação trabalhista no Estado da prestação de serviço, ou a permanecer nesse Estado para solucionar seu dissídio laboral, isto criaria uma situação de desigualdade, visto que o empregado quase sempre não tem condições econômicas de custear as despesas com transporte ou estadia.
No exemplo acima, seria uma negação ao princípio constitucional do amplo acesso à justiça, exigir que o empregado demande seu empregador no local da prestação de serviço, pois isso inviabilizaria a obtenção da prestação jurisdicional, "porquanto não será difícil de imaginar que dentre os obstáculos mais freqüentes, senão o mais grave, de inibição do direito fundamental de acesso à justiça, é o de ordem econômica, que afasta impiedosamente os desvalidos da fortuna de acesso à ordem jurídica justa, privando-os, consequentemente, de verem reparadas ou evitadas as lesões contra si consumadas ou ameaçadas". (PINTO, Robson Flores. Hipossuficientes: assistência jurídica na Constituição. São Paulo: LTr, 1997. p. 28)
Considerando-se a hipossuficiência do empregado, deslocar a competência para o local da prestação de serviço, muitas vezes seria o mesmo que inviabilizar seu acesso à Justiça, pois tornar-se-ia oneroso, dificultoso e em alguns casos impossível ao trabalhador litigar em localidade distante de sua residência, aumentando ainda mais a disparidade entre capital e trabalho.
O professor Sérgio Pinto Martins, comentando o art. 651 da CLT, mostra-se de acordo com aquela prescrição legal ao dizer que o objetivo da Lei é que o empregado possa propor a ação no local em que tenha condições de melhor fazer sua prova, que é no local onde por último trabalhou’. ( Comentários à CLT. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 674).
Todavia, respeitosamente, ousamos discordar do professor Sérgio Pinto e também das Varas do Trabalho que se dão por incompetentes, quando ocorrem na prática hipóteses semelhantes a essa aqui ventilada, e também, porque nem sempre o juízo do último local de trabalho é o mais conveniente ao empregado, podendo-lhe ser até mesmo prejudicial. Logo, deve caber ao trabalhador a escolha do juízo mais viável à solução de seu dissídio laboral.
Numa análise ligeira do art. 651 da CLT, pode-se chegar equivocadamente à conclusão de que sempre será benéfico ao empregado ajuizar sua ação trabalhista no local onde prestou serviço, face a redação utilizada por esse dispositivo: "A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro".
Porém nem sempre isso ocorre, pois o hipossuficiente é quem vai eleger o foro trabalhista que melhor lhe aprouver. Assim, nada impede que a competência territorial seja transmudada em absoluta para que cumpra seu fim principal, que é a proteção do economicamente débil. Ademais, como ensina Júlio César Bebber, "não se pode tomar a literalidade de tudo o que o legislador escreve, para interpretar a norma. Especialmente quando se trata da Consolidação das Leis do Trabalho, que é um diploma legal pouco técnico". (Princípios do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 264)
O exegeta deve extrair do art. 651 um entendimento que busque dar-lhe maior efetividade, pois "o Direito deve ser interpretado inteligentemente, não de modo a que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis". (MAXIMILIANO, Carlos. Interpretação e aplicação do direito. 2. ed. São Paulo: Da Livraria Globo, 1933. p. 183)
Interpretar é escolher dentre os objetivos que o texto legal possa apresentar, o justo e conveniente. Se o objetivo do art. 651 é facilitar a produção de provas pelo empregado, este tem a faculdade de eleger outro juízo que não o do local da prestação de serviços para dirimir sua demanda, se entender que dessa forma seu direito será melhor protegido.
Não se pode interpretar o art. 651 celetista, isoladamente, sem considerar o disposto no art. 5º, XXXV, da CF/88, pois este facilita o acesso à justiça, possibilitando a todos postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito. Desta forma, toda e qualquer Lei que dificulte à parte exercer seu direito de acesso à justiça, atenta contra o princípio da ação e por isso deve ser rechaçada. Este é o caso do art. 651 que, se interpretado à letra, constituiria grande empecilho ao trabalhador conforme o exemplo dado.
Portanto, não pode o sistema jurídico dizer e desdizer ao mesmo tempo, ou seja, facilitar o acesso à Justiça e, simultaneamente, restringi-lo. Nesse sentido, o caput do art. 651 da CLT, tem de ser interpretado à sombra da referida norma constitucional.
Corroborando esse entendimento de que a competência pode ser alterada em benefício da parte hipossuficiente, a ilustre doutrinadora Ada Pellegrini Grinover [et alii], ensina que "nos casos de competência de foro, o legislador pensa preponderantemente no interesse de uma das partes em defender-se melhor, de modo que a intercorrência de certos fatores pode modificar as regras ordinárias de competência territorial". (As Nulidades no Processo Penal. 7. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 45)
Consigne-se que no processo trabalhista e civil vige o princípio da verdade formal, ou seja, o juiz se convence pelas provas constantes dos autos.
Diferentemente do processo penal em que o interesse da parte está aquém do interesse público "expresso no princípio da verdade real: onde se deram os fatos é mais provável que se consigam provas idôneas que os reconstituam mais fielmente no espírito do juiz" (Ada Pellegrini Grinover, op. cit., p. 46). Logo, o processo trabalhista se contenta com a verdade constante dos autos (formal), podendo a competência prevista no art. 651 ser alterada, por se tratar de norma dispositiva.
Arruda Alvim, conceitua prova judiciária, dizendo consistir esta "naqueles meios definidos pelo direito ou contidos por compreensão num sistema jurídico (v. arts. 332 e 366), como idôneos a convencer (prova como ‘resultado’) o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade de determinados fatos, os quais vieram ao processo em decorrência de atividade principalmente, dos litigantes (prova como ‘atividade’)". (Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 1996. v. 2, p. 399)
As conseqüências jurídicas a serem alcançadas no processo estão associadas às afirmações sobre os fatos. A parte deve primeiro afirmar algo sobre certo fato e, a seguir, comprovar a veracidade dessa afirmação. Para que as afirmações feitas pelas partes sejam levadas em consideração pelo juiz no momento de julgar, imperiosa é a demonstração de sua veracidade, podendo-se afirmar, portanto, que a função da prova é formar a convicção do julgador.
Se o empregado demanda em local diverso daquele da prestação de serviço, o risco sobre conseguir ou não provar o direito alegado, é todo seu. Desta forma, não há razão para que os juízes trabalhistas do local onde fora proposta a demanda, se diverso da localidade da prestação de serviço, dêem-se por incompetentes, ante a apresentação de exceção por parte do empregador, porque esta decisão vulnera o sentido teleológico do art. 651, além de criar uma situação que deixa o empregado, normalmente hipossuficiente, impedido de obter a prestação jurisdicional do Estado.
Anote-se ainda que são raríssimas as vezes em que o empregado exerce o jus postulandi, estando quase sempre orientado por advogado em sua reclamação. Face a essa assistência do profissional do Direito, a escolha de juízo diferente daquele em que se deu a prestação de serviço, é feita consciente de que melhor atenderá aos interesses do trabalhador.
Em vista da diferença de capacidade econômica existente entre o trabalhador e o empregador, não basta simplesmente a norma assegurar a igualdade formal entre ambos. Tem que garantir na prática a concreção de seus direitos. E isso é possível extraindo-se do art. 651 uma interpretação que dê ao trabalhador privilégio de foro e assim maior segurança e proteção à parte mais fraca como, aliás, é uma garantia constitucional num "Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social". (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 199)
Na legislação infraconstitucional também se verifica a mesma postura garantidora da efetiva proteção ao economicamente infortunado, como naquelas ações com base no Código de Defesa do Consumidor, em que "O foro do domicílio do autor é uma regra que beneficia o consumidor, dentro da orientação fixada no inc. VII do art. 6º do Código, de facilitar o acesso aos órgãos judiciários". (GRINOVER, Ada Pellegrini [et alii]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 701)
No mesmo sentido, o Novo Código Civil traz em diversos dispositivos proteção à parte cultural e materialmente apoucada (arts. 113, 166, 421, 422, 423, entre outros). O art. 113 diz que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé. Com isso evita-se a proteção de interesses de uma das partes contratante em detrimento da outra. Grande inovação também trouxe o art. 166, inc. VI. Esse artigo traz a preocupação do legislador em tutelar a parte hipossuficiente na formação do negócio jurídico, impedindo a efetivação de obrigações que imponham sacrifício exagerado a uma das partes, obviamente a mais frágil. O art. 421 introduz de maneira clara, no direito contratual, o princípio da função social, limitando a liberdade de contratar e negando validade ao contrato firmado com intuito de apenas satisfazer interesses estritamente pessoais ou desprovidos de qualquer sentido social. E ainda nos arts. 422 e 423, assim como em muitos outros dispositivos, resta clara a tendência do novo Código Civil de proteção à parte mais fraca, impondo uma mitigação ao princípio do pacta sunt servanda, fundada na supremacia do interesse público.
Em conclusão, podemos afirmar que se o empregado declarar sua hipossuficiência, fará jus a propor ação trabalhista em local diverso daquele da prestação de serviços, porque a regra do art. 651 da CLT fora instituída com a finalidade de protegê-lo. Destarte não há empecilho legal para a interpretação extensiva desse dispositivo, a fim de buscar seu sentido finalístico, qual seja, proteger o mais fraco, evitando com isso maltrato ao princípio constitucional da isonomia.
Esforçamo-nos para interpretar o citado art. 651, de forma consonante com a tendência de socialização do Direito, encampada principalmente pela Constituição Federal Brasileira, Código de Defesa do Consumidor e atual Código Civil, que visam a concretização da igualdade social, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, provocando o debate sobre a matéria pelos juslaboralistas[4].
Registre-se que o TST, em sintonia com o princípio do livre acesso à Justiça, tem atenuado a rigidez das disposições do art. 651 da CLT, no sentido de facultar ao trabalhador a opção do foro mais conveniente ao ajuizamento da ação. Vejamos:
Conflito de competência. Ajuizamento da ação no local de prestação de serviços ou da contratação. A competência para o dissídio individual trabalhista será a da localidade na qual o empregado tenha celebrado o contrato de trabalho ou prestado serviços, sendo uma faculdade do empregado ajuizar a ação em uma ou outra localidade. Entendimento inserto no art. 651, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Na hipótese dos autos, após a resilição contratual o empregado teria voltado a se estabelecer em seu domicílio originário, o qual coincide com o local de celebração do contrato, sendo este, portanto, o Juízo competente para julgar o feito. Esse entendimento prestigia os princípios que norteiam o direito trabalhista, em especial o da proteção ao hipossuficiente, e leva em consideração a dinâmica do Processo do Trabalho. Conflito de competência julgado procedente. (Processo CC – 144376/2004-000-00-00 – SBDI-2 – Relator Ministro Emmanoel Pereira, DJ 03.03.2006)
Conflito de competência. Competência da vara do trabalho do local da prestação de serviços. A competência para o processamento e julgamento de reclamação trabalhista, em geral, é da localidade em que o empregado presta os serviços, sendo-lhe facultado ajuizar a reclamatória no foro da celebração do contrato de trabalho ou da prestação dos respectivos serviços, quando se tratar da hipótese em que o empregador realize suas atividades fora do lugar do contrato (art. 651, caput e § 3º, da CLT). In casu, ficou evidenciado que, além de ser o domicílio do Reclamante, este prestava serviços tão-somente em Marília-SP, e não em outras localidades; uma vez que foi rejeitada a hipótese de vendedor-viajante, conforme depoimento pessoal inclusive da Reclamada, a qual não possui qualquer agência ou filial nessa cidade. A competência ratione loci na questão sub judice será da localidade da prestação de serviços, incidindo a regra contida na parte final do parágrafo 1º do art. 651 da CLT, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei 9.861/99, de forma que a competência para apreciar o feito é da 1ª Vara do Trabalho de Marília/SP. (Processo n. CC- 61502/2002-000-00-00 – SBDI-2 – DJ 06.02.2004 – Relator Ministro Emmanoel Pereira)
Conflito de competência da vara do trabalho do local da celebração do contrato. Proximidade da localidade do domicílio do empregado. Art. 651, § 3º, da CLT. A competência para o ajuizamento de reclamação trabalhista, regra geral, é a da localidade em que o Empregado presta os serviços (CLT, art. 651, caput), sendo-lhe facultado ajuizar a reclamatória no foro da celebração do contrato de trabalho ou no da prestação dos respectivos serviços (CLT, art. 651, § 3º). No caso dos autos, o local da celebração do contrato é a cidade de São Paulo (SP), sendo que os serviços foram prestados tanto no local da celebração do contrato quanto na cidade do Rio de Janeiro (RJ), local em que o Empregado prestou serviços pela última vez.
Diante da dinâmica do Processo do Trabalho e em face dos princípios que informam o Direito Laboral, principalmente o da proteção ao hipossuficiente, não seria razoável exigir do Empregado que voltasse ao Rio de Janeiro, mormente pelo fato de ter expressamente se manifestado de modo contrário a essa hipótese. Sendo a cidade de São Paulo o local da celebração do contrato e da prestação dos serviços durante parte do contrato de trabalho, e estando mais próxima do domicílio do Reclamante, cidade de Londrina (PR), a competência para julgar a reclamatória é de uma das Varas de São Paulo (SP), in casu, a 70ª Vara do Trabalho, cujo Juiz Titular é o suscitante do presente conflito. Conflito negativo de competência julgado improcedente (Processo CC-816698/2001-000-00-00 – DJ 29.08.2003 – Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho). PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Mostra-se inviável o conhecimento do recurso de revista, no qual a parte suscita nulidade, por negativa de prestação jurisdicional, sem apontar violação dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da Constituição Federal de 1988, conforme diretriz traçada pela Orientação Jurisprudencial 115 da SBDI-I desta Corte. COMPETÊNCIA TERRITORIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPREGADO CONTRATADO PARA PRESTAR SERVIÇO EM OUTRA LOCALIDADE, EM PERÍODO DE SAFRA A disposição do § 3º do art. 651, da CLT, é o que melhor espelha o sentido do critério de fixação da competência ratione loci no processo do trabalho: facilitar ao litigante economicamente mais fraco o ingresso em juízo em condições mais favoráveis à sua defesa. Matéria interpretativa. Incidência do Enunciado 221 do TST. DESCONTOS. (...) Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. (Processo RR-451176/98.6 – 4ª Turma – Rel. Juiz Convocado Horácio R. De Senna Pires – DJ 01.08.2003)
Entendemos, portanto, que deve o juiz, no caso concreto, ponderar com equilíbrio, no sentido de evitar a frígida aplicação do art. 651 da CLT, salvaguardando o efetivo acesso à Justiça, como última trincheira.’[5]
Em caso análogo, ao analisar o Conflito de Competência nº. 178.914/2007-000-00-00.8, em que foi suscitante o JUIZ DO TRABALHO DA 1ª VARA DE BOA VISTA e suscitado o JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE JUAZEIRO DO NORTE/CE, assim decidiu o E. TST:
‘Trata-se de conflito negativo de competência suscitado com o escopo de determinar qual o Juízo competente para apreciar e julgar reclamação trabalhista ajuizada por Vicente Angelo de Sousa Neto perante a Vara do Trabalho de Juazeiro do Norte/CE, visando à condenação do reclamado Banco do Brasil S/A ao pagamento das verbas salariais e indenizatórias discriminadas às fls. 8/9.
O Juiz do Trabalho da Única Vara do Trabalho de Juazeiro do Norte/CE acolheu a exceção de incompetência em razão do lugar argüida pelo reclamado às fls. 43/45, declinando da sua competência para julgar o feito em favor de uma das Varas do Trabalho de Boa Vista/RR, por entender que "o último local de prestação de serviço pelo reclamante foi em Boa Vista em Roraima, onde permaneceu durante o período laboral imprescrito, até se aposentar’ (fl. 351).
Recebidos os autos pela 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista/RR, foram conclusos ao Juiz do Trabalho Substituto, que declarou a sua incompetência territorial para apreciação do feito e suscitou o presente conflito negativo de competência, consignando que:
"Pois bem, como é cediço, a demanda trabalhista deve ser proposta, na localidade em que o empregado tenha prestado sua em regra força de trabalho, conforme o disposto no artigo 651 da CLT.
Ocorre que o aludido dispositivo deve ser analisado levando-se em conta o comando encartado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1.988, no sentido de que seja albergado, até as últimas consequências, o princípio do livre acesso à Justiça e, sobretudo, o princípio da isonomia.
Ao sentir do Juízo, exigir do trabalhador a propositura da reclamatória no Município de Boa Vista, do Estado de Roraima, malgrado ter ele domicílio fixado no longínquo Município de Juazeiro do Norte, do Estado do Ceará, tem por condão ferir de morte os citados princípios constitucionais.
Ora, não se vislumbra qualquer prejuízo a reclamada no tocante à tramitação da reclamatória no domicílio do reclamante, visto que, como é público e notório, tem a reclamada poderio econômico avassalante, dispondo de inúmeros recursos para desencadear sua defesa, inclusive, contratante de inúmeros e notáveis causídicos por todo o território nacional" (fl. 386).
A regra geral trabalhista estabelece a preferência, no que tange à competência das Varas do Trabalho, para o local da prestação de serviços (art. 651, caput, da CLT). No caso dos autos, uma das localidades onde teria ocorrido parte da prestação de serviços seria a cidade de Juazeiro do Norte/CE, mas também teria o obreiro trabalhado para o reclamado no Município de Boa Vista/RR.
Vale lembrar que o reclamante, após sua aposentadoria, estabeleceu domicílio em Juazeiro do Norte/CE (fl. 2), onde prestou serviços antes de ser transferido para Boa Vista/RR (fls. 5 e 44), sendo esta a última localidade em que teria trabalhado.
Desnecessário dizer que as normas sobre competência territorial visam facilitar o acesso do trabalhador à Justiça (princípio da proteção ao hipossuficiente). Ora, no caso em tela, o reclamante reside em Juazeiro do Norte/CE. Nessa esteira, remeter os autos ao outro foro correspondente ao outro local da prestação de serviços (Boa Vista/RR), seria inviabilizar ao obreiro a garantia constitucional do livre acesso ao Judiciário, insculpida no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, como bem observado pelo Juízo Suscitante.
Aliás, há de se fazer incidir, no presente caso, a regra insculpida no § 3º do art. 651 da Consolidação das Leis do Trabalho, na medida em que se trata de empregador que promove a realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho (no caso, Lavras da Mangabeira/CE).
Não obstante, há de se concluir que era faculdade do autor optar pelo ajuizamento da ação em qualquer um dos foros, já que a prestação de serviços se deu em ambos: Juazeiro do Norte/CE (que inclusive coincide com o local do domicílio do autor) ou Boa Vista/RR.
Nesse passo, cito recente precedente desta Casa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRANSFERÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM MAIS DE UM LUGAR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO EM QUALQUER UM DELES. ART. 651 DA CLT. O art. 651 da CLT dispõe, como regra geral, que a Reclamação Trabalhista deve ser apresentada no lugar da prestação de serviços e, como exceção, acrescenta o foro da celebração do contrato, quando tratar de Empregador que promova a realização de atividades fora do lugar de ajuste, ou domicílio do empregado, na hipótese de o mesmo ser agente ou viajante comercial (§ 1º e § 3º). , o Reclamante foi contratado na cidade de São Paulo e prestou serviços primeiramente em São Bernardo do Campo In casu e por último na cidade de Atibaia-SP. Interpretando o aludido dispositivo Consolidado, conclui-se que, havendo mais de um local de prestação de serviços e diante de falta de previsão legal disciplinando tal situação, deve-se levar em conta os princípios protetores que norteiam o direito do trabalho, deixando a critério do Reclamante a opção pelo ajuizamento da demanda trabalhista naquele lugar em que lhe será mais fácil exercitar o seu direito de ação. Conflito de Competência que se julga procedente, declarando a competência da Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, para onde deverão ser remetidos os autos." (CC-129914/2004-000-00-00, Min. Simpliciano Fernandes, DJ 20/8/2004)
Assim sendo, levando-se em consideração que o empregado prestou serviços para o reclamado nos Municípios de Juazeiro do Norte/CE e Boa Vista/RR, os Juízos de ambas as comarcas possuem competência para a apreciação da demanda, razão pela qual declaro que a competência para examinar e julgar a presente reclamação trabalhista é da Vara do Trabalho de Juazeiro do Norte/CE, local do domicílio do autor e onde foi ajuizada a reclamação.
Ante o exposto, acolho o presente conflito negativo de competência, para declarar que a competência para apreciar e julgar a reclamação trabalhista é da Vara do Trabalho de Juazeiro do Norte/CE, para onde deverão ser remetidos os autos.’
De outra parte, a matéria encontra solução na aplicação do disposto no parágrafo único do art. 100 do CPC, segundo o qual nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.
ISTO POSTO, declara-se a incompetência da 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista do Estado de Roraima para a causa.
Havendo, pois, conflito negativo de competência, expeça-se ofício ao Exmo. Sr. Min. Presidente do E. TST, conforme disposto no art. 118, inc. I, parágrafo único, do CPC, aplicado na forma do disposto no art. 769 da CLT". (fls. 349-357).
Pois bem.
A ação originária trata de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho que resultou na morte do empregado.
O empregado foi contratado como vigia para trabalhar na reclamada, localizada na cidade de Boa Vista – RR, e foi assassinado enquanto fazia a segurança da empresa.
Os pais do empregado moram no município de Jaguaruna – CE e ajuizaram a ação no juízo cível com jurisdição onde estão domiciliados (Vara Única da Comarca de Jaguaruana na jurisdição), o qual declinou da competência para a Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte– CE.
Esclareça-se que logo após a Emenda Constitucional nº 45/2004, o STF decidiu que as ações que tratassem de dano moral ou patrimonial decorrente de acidente de trabalho seriam da competência da Justiça Comum Estadual.
Tal posicionamento, entretanto, ocasionou insatisfação aos magistrados e demais profissionais da área jurídico-trabalhista. E, ao apreciar conflito de competência (Código Civil nº 7.204), o STF deu nova formulação, no sentido de que compete à Justiça do Trabalho apreciar as ações de indenização com origem em acidente de trabalho, independentemente de terem sido ajuizadas pelo próprio empregado ou por seus sucessores.
A intenção do legislador, ao fixar a competência territorial na Vara do Trabalho onde houve a prestação de serviços (artigo 651, caput, da CLT), foi facilitar ao trabalhador o ingresso de ações.
Referido dispositivo, no entanto, comporta exceções e deve ser interpretado juntamente com os princípios constitucionais da isonomia e de amplo acesso ao Judiciário (artigo 5º, caput e XXXV, da Constituição Federal), bem como o princípio da proteção do trabalhador.
Saliente-se ainda que o processo do trabalho segue a mesma tendência de outros ramos do direito no sentido de proteger o hipossuficiente, como é o que ocorre nas relações de consumo e ações de alimentos, por exemplo.
In casu, a ação foi proposta pelos pais do trabalhador (dano moral em ricochete ou reflexo) e possui natureza exclusivamente civil, pois pleiteiam tão somente indenização por danos morais e materiais pelo acidente de trabalho que acarretou na morte do empregado.
Além disso, nas ações de reparação civil, faculta-se ao autor ajuizar a ação tanto perante o foro de seu domicílio quanto no do local onde ocorreu o dano (artigo 53, III, do novo CPC).
Desta forma, não se mostra sensato que os idosos pais do empregado tenham que se deslocar do interior do Ceará para discutir e pleitear na cidade de Boa Vista – RR ressarcimento pela dor da perda do filho na eventual constatação de culpa da empresa reclamada.
Por fim, conforme consignado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Boa vista – RR: "... não se vislumbra qualquer prejuízo a reclamada no tocante à tramitação da reclamatória no domicílio dos autores, porquanto, diferentemente daqueles, dispõe de recursos para desencadear sua defesa, como aliás o fez junto à Justiça Comum" (fl. 350).
Nesse sentido, citam-se os seguintes precedentes:
"COMPETÊNCIA TERRITORIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. DISSÍDIO INDIVIDUAL ATÍPICO. ACIDENTE DE TRABALHO. FALECIMENTO DO EMPREGADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL. VIÚVA E HERDEIROS MENORES DE IDADE. PRETENSÃO DEDUZIDA EM NOME PRÓPRIO 1. A determinação da competência territorial para o dissídio individual típico, no processo do trabalho, define-se, em regra, pelo local da prestação dos serviços do empregado, seja ele reclamante ou reclamado, nos termos do artigo 651, caput, da CLT. Norma de cunho protecionista e ditada pela observância do princípio constitucional da acessibilidade (art. 5º, inciso XXXV, Constituição Federal). Excepcionalmente, toma-se em conta o juízo da localidade da contratação (§ 3º do artigo 651 da CLT). 2. Em alguns casos, as regras objetivas de fixação da competência territorial do artigo 651 da CLT revelam-se insuficientes, sobretudo em virtude de não abarcarem o complexo mosaico de lides hoje confiadas à competência material da Justiça do Trabalho, mormente a partir da Emenda Constitucional nº 45/04. Nesses casos, à falta de norma específica definidora da competência territorial, cumpre ao órgão jurisdicional colmatar a lacuna mediante a aplicação de norma compatível com o princípio da acessibilidade por que se norteia o sistema processual trabalhista. 3. Ação de indenização movida por viúva e filhos menores de idade de ex-empregado falecido, na defesa de direito próprio e não fruto de transmissão do "de cujus". Ausente disciplina legal específica na CLT. Admite-se a fixação da competência territorial, excepcionalmente, pelo foro do local de domicílio dos Reclamantes, por aplicação analógica do disposto no artigo 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. A prevalência do foro da localidade da prestação de serviços do falecido empregado, além de contemplada para lide de natureza diversa, em que o próprio empregado figure como demandante ou demandado, poderia implicar denegação de justiça em situações desse jaez. 4. Embargos dos Reclamantes de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento para reconhecer a competência territorial do foro do domicílio dos Autores." (E-RR - 86700-15.2009.5.11.0007, Redator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 18/12/2015)
"RECURSO DE REVISTA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. ACIDENTE DE TRABALHO. FALECIMENTO DO EMPREGADO. GENITORES. PRETENSÃO DEDUZIDA EM NOME PRÓPRIO. Hipótese em que o Tribunal de origem reformou a sentença que declinara da competência em favor da Vara do Trabalho de Piedade/SP, local do domicílio dos autores da ação, pais do reclamante falecido, para determinar a remessa dos autos à Comarca de Três Lagoas/MS, local da prestação de serviço do de cujus. Impor aos genitores do reclamante falecido, parte hipossuficiente, o ônus de ajuizar a reclamação trabalhista em local diverso do seu domicílio inviabilizaria a garantia constitucional do livre acesso à Justiça. Recurso de revista conhecido e provido." (RR - 815-32.2011.5.15.0078, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, 2ª Turma, DEJT 01/07/2016)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - RECURSO ANTES DA ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 - COMPETÊNCIA TERRITORIAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO EMPREGADO - PROVIMENTO. Ante a possível violação ao artigo 651, da CLT, impõe-se o provimento do agravo de instrumento e o processamento do recurso de revista, com fulcro no artigo 896, "c", da CLT. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA - RECURSO ANTES DA ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 - COMPETÊNCIA TERRITORIAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO EMPREGADO - POSSIBILIDADE. Esta Corte Superior Trabalhista, em atenção ao direito fundamental de acesso à justiça, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Carta da República, e ao princípio da proteção, consolidou o entendimento de que o empregado pode optar por ajuizar a demanda no local de seu domicílio quando lhe for mais favorável do que a regra prevista no artigo 651, §3º, da CLT. As regras de competência em razão do lugar, no âmbito do processo trabalhista, devem ser interpretadas de acordo com o contexto social, com vistas a tutelar o hipossuficiente, sob pena de inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário e afrontar o que preconiza o texto constitucional (artigo 5º, XXXV). Destaca-se que, residindo o autor em localidade diversa daquela em que ocorreu a prestação de serviços, bem como da celebração do contrato, em face das dificuldades de deslocamento e da distância entre as localidades, o ajuizamento da reclamação trabalhista nestas localidades poderá acarretar-lhe dificuldades financeiras ou até inviabilizar o acesso à Justiça. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - RECURSO ANTES DA ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 - ACIDENTE DE TRABALHO TÍPICO - MORTE DO EMPREGADO AOS VINTE E UM ANOS - CULPA COMPROVADA DA EMPRESA - QUANTUM INDENIZATÓRIO. Considerando a inexistência de critérios objetivos para quantificação da indenização decorrente de danos morais, há que se prestigiar o livre convencimento do Juiz que valorou as provas, nos termos do artigo 131, do CPC, a não ser quando há verdadeira teratologia na fixação da referida indenização, o que não é o caso dos autos, eis que reconhecida a culpa da ré na morte do autor aos vinte e um anos de idade e fixado uma indenização no valor de R$532.178,40. Recurso de revista não conhecido." (RR - 2708-94.2011.5.22.0003, Relator Desembargador Convocado: Cláudio Armando Couce de Menezes, 2ª Turma, DEJT 02/10/2015)
Ante o exposto, admito o conflito negativo de competência, a fim de declarar a competência da 1ª Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte/CE para apreciar e julgar a reclamação trabalhista, para onde deverão ser remetidos os presentes autos.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, admitir o conflito negativo de competência, a fim de declarar a competência da 1ª Vara do Trabalho de Limoeiro do Norte/CE para apreciar e julgar a reclamação trabalhista, para onde deverão ser remetidos os presentes autos.
Brasília, 6 de Dezembro de 2016.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
MARIA HELENA MALLMANN
Ministra Relatora
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